quarta-feira, julho 26, 2006

A guerra no Médio Oriente


A julgar pela minha ausência de uma semana, poder-se-ia pensar que, nesta altura, eu já “estaria a banhos” algures num país exótico e quente, mas a verdade é que só um maçador problema informático, daqueles que não se resolvem com o simples desligar e voltar a ligar, me fez estar uns dias afastado deste espaço e da vossa companhia.
E volto a tempo, num tempo em que o Médio Oriente se agita com novos horrores de uma guerra que dura há anos, cujos contornos temos alguma dificuldade em avaliar, não sabendo sequer o que se passa, de facto, no terreno e correndo até o risco de misturar religião com política e estados com grupos religiosos.
Não temos sequer capacidade para interpretar as notícias que nos chegam a cada segundo. A situação é muito confusa e, sobretudo triste perante tanta destruição, tantos mortos, feridos e desalojados.
E volto a tempo, repito, porque gostaria de partilhar convosco um texto (excelente como sempre) do Professor Boaventura Sousa Santos sobre este drama, texto que será publicado amanhã, dia 27, na Revista Visão.
É mais um aspecto, mais uma opinião sobre este o assunto que, ao contrário do que muitos julgam, não diz respeito, apenas, aos povos daquela região, mas a todos nós.

“Carta a Frank

Escrevo-te esta carta com o coração apertado. Deixo a análise fria para a razão cínica que domina o comentário político ocidental. És um dos intelectuais judeus israelitas – como te costumas classificar para não esquecer que um quinto dos cidadãos de Israel são árabes – mais progressistas que conheço. Aceitei com gosto o convite que me fizeste para participar no Congresso que estás a organizar na Universidade de Telavive. Sensibilizou-me sobretudo o entusiasmo com que acolheste a minha sugestão de realizarmos algumas sessões do Congresso em Ramalah. Escrevo-te hoje para te dizer que, em consciência, não poderei participar no congresso. Defendo, como sabes, que Israel tem direito a existir como país livre e democrático, o mesmo direito que defendo para o povo palestiniano. “Esqueço” com alguma má consciência que a Resolução 181 da ONU, de 1947, decidiu a partilha da Palestina entre um Estado judaico (55% do território) e um Estado palestiniano (44%) e uma zona internacional (os lugares santos: Jerusalém e Belém) para que os europeus expiassem o crime hediondo que tinham cometido contra o povo judaico. “Esqueço” também que, logo em 1948, a parcela do Estado árabe diminuiu quando 700.000 palestinianos foram expulsos das suas terras e casas (levando consigo as chaves que muitos ainda conservam) e continuou a diminuir nas décadas seguintes, não sendo hoje mais de 20% do território.
Ao longo dos anos tenho vindo a acumular dúvidas de que Israel aceite, de facto, a solução dos dois Estados: a proliferação dos colonatos, a construção de infra-estruturas (estradas, redes de água e de electricidade), retalhando o território palestiniano para servir os colonatos, os check points e, finalmente, a construção do Muro de Sharon a partir de 2002 (desenhado para roubar mais território aos palestinianos, os privar do acesso à água e, de facto, os meter num vasto campo de concentração). As dúvidas estão agora dissipadas depois dos mais recentes ataques na faixa de Gaza e da invasão do Líbano. E agora tudo faz sentido. A invasão e destruição do Líbano em 1982 ocorreu no momento em que Arafat dava sinais de querer iniciar negociações, tal como a de agora ocorre pouco depois do Hamas e da Fatah terem acordado em propor negociações. Tal como então, foram forjados os pretextos para a guerra. Para além de haver milhares de palestinianos raptados por Israel (incluindo ministros de um governo democraticamente eleito), quantas vezes no passado se negociou a troca de prisioneiros?
Meu Caro Frank, o teu país não quer a paz, quer a guerra porque não quer dois Estados. Quer a destruição do povo palestiniano ou, o que é o mesmo, quer reduzi-lo a grupos dispersos de servos politicamente desarticulados, vagueando como apátridas desenraizados em quadrículos de terreno bem vigiados. Para isso dá-se ao luxo de destruir, pela segunda vez, um país inteiro e cometer impunemente crimes de guerra contra populações civis. Depois do Líbano, seguir-se-á a Síria e o Irão. E depois, fatalmente, virar-se-á o feitiço contra o feiticeiro e será a vez do teu Israel. Por agora, o teu país é o novo Estado pária, exímio em terrorismo de Estado, apoiado por um imenso lobby comunicacional – que sufocantemente domina os jornais do meu país – com a bênção dos neoconservadores de Washington e a vergonhosa passividade a União Europeia. Sei que partilhas muito do que penso e espero que compreendas que a minha solidariedade para com a tua luta passa pelo boicote ao teu país. Não é uma decisão fácil. Mas crê-me que, ao pisar a terra de Israel, sentiria o sangue das crianças de Gaza e do Líbano (um terço das vítimas) enlamear os meus passos e embargar-me a voz”.

2 comentários:

XYZ disse...

pelo sentido de verdade e pela coragem da posição (que é rara em intelectuais portugueses, e para mais em professores universitários, sempre "cautelosos" na manutenção da "boa sombra que os cobre" - ou seja o belo TACHO!...)merece muita difusão e plena leitura esta "carta a Frank" de BSS, que assim cumprimentamos.
Coerentes com esse princípio já a tinhamos publicado antes, no nosso
http://altybonsomws.blogspot.com/, à disposição do interesse de todos os seus visitantes.
É a maneira de que dispomos para dar a volta ao "sufocante lobby"...

demascarenhas disse...

Ao partilhar convosco o texto de Boaventura Sousa Santos, eu sabia que o assunto não era pacífico e sabia, de antemão, que poderiam surgir argumentos dos defensores de ambos os lados, os quais, pelo menos, deveriam merecer a nossa reflexão. Assim, para além do texto propriamente dito, foi feito um comentário que veio no mesmo sentido das opiniões do professor e, através de um mail enviado por uma nossa amiga brasileira, residente no Rio e que tem uma filha a estudar em Israel, chegou-nos uma posição bem diferente.

E o mail dizia:

“This is the truth!!!!
Regardless of your feelings about the crisis between Israel and the Palestinians and Arab neighbors, even if you believe there is more culpability on Israel 's part for whatever reason, the following two sentences really say it all:
If the Arabs put down their weapons today, there would be no
more Violence
If the Jews put down their weapons today, there would be no more Israel”

Penso que todos terão percebido mas, ainda assim, traduzo livremente:

“Apesar dos vossos sentimentos sobre a crise entre Israel e os Palestinianos e os vizinhos Árabes, mesmo que acreditem que, por qualquer razão, Israel tem uma maior parte da culpa, as duas frases abaixo resumem tudo:

- Se os árabes depuserem as armas hoje, não haverá mais violência;
- Se os judeus baixarem as armas hoje, não haverá mais Israel.

Como já disse, trata-se de uma guerra cujos contornos e as verdadeiras razões são difíceis de avaliar. O que sabemos é que todos os dias nos chegam notícias de mortos e mais mortos, de destruição e de pessoas que sofrem. E de ambos os lados.