terça-feira, março 21, 2006

Falando do Poeta Aleixo

Já conhecem a minha posição quanto aos dias internacionais do que quer que seja. Hoje, porém, faço uma excepção, para evocar no Dia Internacional da Poesia, um dos maiores poetas portugueses do século XX – António Aleixo.


Quando há uns tempos publiquei um poema (por sinal delicioso) do Tosam, esse grande poeta, desenhador e contador de histórias, chamado “Ode ao Futebol”, que aliás se deve reler de vez em quando, por puro deleite, já tinha em mente falar num outro grande poeta algarvio, António Aleixo, de resto amigo de Tosam e a quem lhe dedicou os seguintes versos que quase passaram despercebidos:

Para ti, Tosam amigo
Que há muito me conheces
É pouco, o muito que digo,
de ti, que tanto mereces

A obra de Aleixo quase não é conhecida do grande público e ele é considerado por muitos como um poeta menor. De facto, António Aleixo foi guardador de cabras, cantor popular de feira em feira, soldado, polícia, tecelão, servente de pedreiro em França e “poeta cauteleiro”.

E apesar de semi-analfabeto e de ter deixado espalhados inéditos um pouco por todo o lado, o seu amigo, Dr. Joaquim Magalhães, ainda conseguiu reunir em livro: «O Auto do Curandeiro», «O Auto da Vida e da Morte», o incompleto «O Auto do Ti Jaquim» e o mais famoso livro «Este livro que vos deixo».

Mas, eu que gosto de poesia, embora isso não faça de mim um perito na matéria, tenho uma opinião um pouco diferente. Penso que, longe de ser o tal poeta menor, Aleixo foi sobretudo um poeta popular, no bom sentido do termo, um homem preocupado com o seu tempo e um repentista brilhante.

Como o demonstra nestes versos

Quem trabalha e mata a fome
Não come o pão de ninguém
Mas quem não trabalha e come
Come sempre o pão de alguém

A fartura ao pé da fome
Raramente se dá bem
Quase sempre quem tem, come
À custa de quem não tem

António Aleixo foi também acutilante e mordaz nas críticas sociais e políticas. E, por vezes, até um pouco atrevido, quando fazia ouvir determinadas quadras que, ostensivamente, pretendiam provocar o regime de Salazar

O Salazar é capaz
De nos fazer mil promessas
Mas faz-nos tudo às avessas
Das promessas que nos faz

Com uma gravata vermelha?
Tem cuidado, não te esqueça
Que Salazar aconselha
Muitas cores, menos essa

Termino com uma quadra, esta bem conhecida, cuja ironia e acutilância se mantêm actuais.

Sei que pareço um ladrão…
Mas há muitos que eu conheço
Que, sem parecer o que são,
São aquilo que eu pareço.

António Aleixo é um poeta merecedor de um pouco mais da nossa atenção e a leitura de “Este livro que vos deixo” é absolutamente obrigatória.

2 comentários:

Anónimo disse...

Concordo plenamente com a sua opinião. Tenho esse livro há muitos anos, e embora não o tenha lido todo, já li grande parte.
Os poemas de Aleixo são a prova que de uma forma simples (embora não fácil) se podem transmitir mensagens poderosas, importantes e muitas delas sempre actuais.

demascarenhas disse...

O comentário da Paula mostrou que valeu a pena ter evocado o Poeta e deu-nos um novo ânimo para voltarmos a falar em poesia.