terça-feira, setembro 12, 2006

O grande corredor ibérico ...


Tinha começado justamente as minhas férias, quando o país desabou de contentamento com as proezas atléticas de um nosso compatriota. Aliás, numa época em que tudo está parado e nada há para comentar, mesmo que seja só para dizer mal, as vitórias do nosso português vieram mesmo a calhar.

Claro está que em Portugal toda a gente conhece Francis Obikwelu. Para além de ser um nome tipicamente português, que anda na boca de todos os portugueses, pelas melhores razões, já se vê, o homem é um verdadeiro campeão. Independentemente de outros feitos já conseguidos, só este ano cometeu a proeza de ganhar as corridas dos 100 e dos 200 metros do Campeonato Europeu de Atletismo, que se realizou em Gotemburgo. Proeza idêntica que só fora conseguida pelo italiano Pietro Menea em 1978.

Mas para além de reconhecer que Francis é, de facto, um atleta de um enormíssimo valor, e que representou de forma digna a alma e a raça lusitana, não posso, ainda que isto vos possa parecer mal, deixar de questionar o seguinte:

Francis é nigeriano de nascimento, embora naturalizado português. Vive e treina em Espanha com treinadores espanhois. Onde é que nós, afinal, entramos na história? Onde está a nossa mais valia? Qual é o contributo português para gerar tão grande atleta? Desculpem lá, mas gostaria que me explicassem isso. É que há coisas que me custam a digerir.

A quem, também, custa digerir estas vitórias do corredor portugês é aos “nuestros hermanos” que, ainda por cima, não obtiveram lá grandes resultados nestes Europeus. Quando os principais Telediários espanhois anunciaram as vitórias de Obikwelu, ouvimo-los anunciar com o seu proverbial entusiasmo que Francis Obikwelu, o grande corredor ibérico, tinha ganho as corridas dos 100 e dos 200 metros.

“Ombre, que tios...,”

7 comentários:

Anónimo disse...

Fico contente quando Obikwelu ganha, mas não sinto essa vitória da mesma maneira como se fosse da Fernanda Ribeiro, por exemplo.

São vitórias que merecem a nossa atenção, que nos trazem prestígio, mas que de facto nos deixam a pensar porque é que a festejamos tanto.

Talvez por não termos neste momento muitos atletas de primeiríssima linha que nos dêem as alegrias que Francis dá.

Isto leva-me a crer que se Obikwelu não corresse tanto, ninguém iria querer saber dele.

Mas ele corre. E ganha. E Portugal enche o peito de orgulho.

Mas o que é que há de genuinamente português nele?

Quase nada. Não nasceu cá, não vive cá, não trabalha cá, não me consta que seja casado com alguma portuguesa ou que tenha qualquer tipo de laços familiares cá, e mal fala a nossa língua.

Não há raízes portuguesas em Francis Obikwelu, para além de ter sido Portugal o país que o acolheu quando ele decidiu deixar a sua terra natal. Isso é suficiente para se considerar português?

Anónimo disse...

Veio para Portugal muito mais novo que o Deco. E tinha lugar na equipa de atletismo da Nigéria, ao contrário do Deco que está na selecção portuguesa porque nunca foi chamado para jogar pela brasileira.
A selecção portuguesa tem jogadores brasileiros, tem jogadores oriundos de outras ex-colónias, tem a maior parte dos jogadores a viver e trabalhar no estrangeiro e é comandada por um brasileiro. Porque razão lhe chamamos portuguesa e festejamos as suas vitórias? Estou apenas a seguir a mesma linha de raciocínio do porcos.

Por fim: "Isto leva-me a crer que se Obikwelu não corresse tanto, ninguém iria querer saber dele. "
Óbvio, não? Não são os resultados que distinguem os atletas?

Anónimo disse...

A minha opinião relativamente ao Obikwelu é a mesma para o Deco, para o Scolari e para todos os estrangeiros que actuem em nome de Portugal.

Fico feliz com o contributo que dão ao país e vibro com as vitórias, mas não as sinto com a mesma intensidade que seria se fossem genuinamente portugueses.

No entanto há uma pequena diferença entre o caso de Obikwelu e o de Deco: o primeiro não nasceu sequer num país lusófono.

O que os levou a competir por Portugal não interessa, o que interessa é que estão cá. Se o Deco não jogasse com toda aquela magia, não seria um caso polémico na nossa selecção. Mas não deixaria de ser um belíssimo ateleta. No entanto, volto a reforçar que um golo do Deco não entusiasma tanto como um do Rui Costa, tal uma vitória de Scolari não tem o mesmo sabor que uma de Mourinho ou uma medalha de Obikwelu não pesa tanto no nosso coração como uma do Carlos Lopes.

Lá no fundo, no fundo, todos sentimos que falta ali qualquer familiaridade com a nossa bandeira.


P.S.:
E não, não há assim tantos atletas estrangeiros com a camisola das quinas. Há muitos naturalizados, mas não nas selecções.

zeboma disse...

Quanto à ligação que o Francis Obikwelu tem a Portugal, pelo que sei da história dele, decidiu ficar cá fugindo do estágio da selecção nigeriana quando tinha 16 anos, na esperança de por cá ter uma vida melhor. E presumo que o facto de ter sido em Portugal que passou de uma vida dura de dificuldades no Algarve até ao patamar desportivo que atingiu faz com que sinta um grande carinho por Portugal.
Isto para não falar da família que o "adoptou" em Portugal, quando veio correr para o Belenenses, respondendo ao porcos no espaço ("tenha qualquer tipo de laços familiares cá").
O facto do Obikwelu treinar em Espanha não nos devia incomodar, mas antes ter pena de não termos no nosso país as infra-estruturas desportivas para a prática do atletismo (pq para elefantes brancos como os estádios do Euro 2004 claro que se arranjou dinheiro!) que ele tem em Espanha.

Anónimo disse...

Ter um grande carinho por Portugal não o torna português. Quanto aos laços que tem por cá, não são de sangue, nem sequer contraiu matrimónio. São puramente afectivos, resultado de uma grande proximidade de Francis a essa família durante um determinado período da sua vida.

Ou seja, ele passou por cá.


Eu já passei pela Holanda, e tenho um grande carinho por aquele país. Será que sou holandês?

zeboma disse...

Porque raio é que um matrimónio une uma pessoa ao país do seu cônjuge? Não era suposto uni-la ao próprio?
Essa estória dos laços de sangue... não serão os afectos o mais importante?

Anónimo disse...

Afectos podemos tê-os em qualquer lado, mas laços de sangue é mais raro. Além de que, de uma forma geral, são mais fortes. No entanto, não está em discussão qual o tipo de ligação mais importantes.

Já o matrimónio além-fronteiras é meio caminho andado para que um cidadão crie raízes num país que não é o seu. Isto para não falar da parte prática da questão, que é a da dupla nacionalidade.