terça-feira, maio 04, 2010

A Dúvida

Esta é uma história verdadeira, passou-se comigo. E vou contá-la porque pode servir de aviso às pessoas de boa-fé, que eu sei que ainda há algumas por aí ...


Almoçávamos num simpático restaurante de uma das nossas mais bonitas cidades e eu estava sentado à ponta de uma das mesas. Perto, numa outra mesa, de costas voltadas para mim, estava sentado um senhor que tinha o casaco encavalitado no espaldar de uma cadeira mesmo ao seu lado.


Apreciávamos o petisco quando o senhor jogou a mão ao casaco para tirar a carteira a fim de pagar a conta. Qual quê? Nada de carteira, desaparecera, evaporara-se. Levantou-se num impulso, e com ar de poucos amigos, dirigiu-me um olhar desconfiado. Aliás, ele já nem estava desconfiado, percebia-se claramente que tinha a certeza de que se a carteira tinha sumido o carteirista só podia ser eu. Afinal, era eu que estava mais perto do casaco.


Era um olhar intencional, sem direito a contraditórios, definitivamente fulminante. E senti-o eu e sentiu-o quem estava a meu lado. Sem dúvidas, mas também sem provas, eu era o culpado. Felizmente que o homem não teve a ousadia de me acusar mas eu sabia que ele não pensava outra coisa.


O clima ficou pesado. Perante aquele olhar sem palavras, senti necessidade de dizer alguma coisa. Perguntei-lhe se teria usado a carteira em algum lugar antes de ir ao restaurante. Avancei com a hipótese da carteira ter ficado no emprego ou em casa. Respondeu-me que ainda não a usara naquele dia e lançou-me um último (e desconfiado) olhar antes de sair.


A situação era embaraçosa. O homem estava sentado ao meu lado e o casaco perto de mim. Afinal, se a carteira desaparecera, não faria sentido que ele desconfiasse exactamente de mim? Admiti que sim, mais, até eu já começava a desconfiar de mim. Afinal, uma carteira não se evapora num repente.


Meia hora depois o homem voltou ao restaurante. Vinha com outra cara, sorria e percebia-se claramente que tinha encontrado a carteira. Achara-a no banco de trás do seu carro. Falou em voz alta para o dono do restaurante de modo a que nós também ouvíssemos, chegou mesmo a olhar na nossa direcção. Com outra expressão, claro. Não me pediu desculpas mas a verdade é que também não me tinha culpado (oficialmente) do que quer que fosse.


A história – verdadeira, repito – serviu-me de lição, pelo menos para me precaver em relação a situações futuras. Sentar-me perto de casacos arrumados em costas de cadeiras, nunca mais. Como disse, tudo aquilo foi embaraçoso e ainda hoje tenho bem presente aquele olhar profundo e acusador.


Fica o alerta.


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