quarta-feira, fevereiro 07, 2007

mordomias


Durante alguns anos, para além da minha actividade profissional normal, dava, simultaneamente, acções de formação na área em que era especialista.

Acções de formação que eram ministradas em qualquer parte do país, fossem perto ou longe de casa. Por exemplo, se eu tinha uma acção programada para o Porto, ou em Castelo Branco, ou em Leiria ou em Faro, preparava previamente a minha aula e, no dia da acção, levantava-me muito cedo, punha-me a caminho, chegava ao local, dizia o que tinha para dizer (durante quatro, cinco, seis ou mesmo sete horas seguidas) e regressava (estafado, estafadíssimo) ao sossego do lar.

A minha entidade patronal paga-me apenas a gasolina (nem as portagens pagava) e uma refeição, e não me dava nem mais um chavo porque, presumo eu, achava que eu estava a trabalhar para a empresa, não no meu local habitual mas em qualquer outro sítio. Ao fim e ao cabo, era um dia normal de trabalho apesar de eu ter que preparar e monitorar uma acção de formação e apesar de muitas vezes ter que conduzir 700 quilómetros no mesmo dia.

É claro que muitas vezes eu pensei que estava a ser alvo de uma grande exploração e que não me recompensavam convenientemente pelo esforço despendido. Sejamos claros, estava a ser explorado e pronto!

Continuo a achar isso, mas agora, face às coisas que se vão sabendo, ainda fico mais transtornado. Como aconteceu a semana passada quando soube que um senhor importante da nossa praça, recebe subsídios que vão bastante mais além do que seria aceitável.

E a coisa é fácil de contar. O presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), vive no Porto e desloca-se todas as semanas a Lisboa, onde fica em média dois dias num hotel da capital.

Muito embora o carro lhe esteja atribuído pela Entidade Reguladora, é justo que lhe paguem as despesas com o hotel, com a gasolina e com as portagens que ele (provavelmente) paga do seu bolso. Até aqui nada a dizer.

O que eu já não considero mesmo nada justo é que para além dessas despesas pagas com as deslocações e de um ordenado compatível com o cargo que ocupa, o senhor ainda receba mensalmente 1.000,00 euros, a título de subsídio de residência, pelo facto de morar a mais de 100 quilómetros de Lisboa, local onde vem exercer as suas funções, como disse, um ou dois dias por semana.

Se o senhor residisse no Porto e estivesse deslocado em Lisboa durante toda a semana eu ainda percebia que lhe atribuíssem um subsídio de renda de casa. Mas para vir a Lisboa dois dias por semana, no máximo, darem-lhe mais 1.000,00 euros quando lhe pagam todas as despesas com a deslocação? Ainda por cima, quando o senhor deve ter um vencimento que não deve ser nada pequeno?

Resta saber, e a questão não é tão despiciente como possam imaginar, se o carro fornecido pela ERC terá já o depósito atestado e, ainda assim, o senhor presidente continue a ser ressarcido das despesas de combustíveis ... que ele, afinal, não chegou a pagar. Olhem que eu conheço alguns casos desses ...

Resta, então, dizer que essa lei tão abstrusa estabelece como critério único para atribuição de um subsídio de residência o da distância geográfica em relação ao local de trabalho, independentemente se o indivíduo se desloca para trabalhar um ou dois dias por semana, ou esteja fora da sua residência habitual a semana inteira.


Dizia Freud que “existem duas maneiras de ser feliz nesta vida. Uma é fazer-se idiota e a outra, sê-lo”. Como acho que não faço parte da segunda hipótese, e não gostaria de passar por pertencer à primeira, é evidente que não posso estar feliz, nem deixar de me indignar com situações deste tipo.

Ou será que conseguem achar alguma justiça nisto tudo?

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