terça-feira, fevereiro 13, 2007

Matemática lírica


Quando em Janeiro último, aqui publiquei um texto sobre Millor Fernandes fiquei um tanto ou quanto desapontado por não ter tido um só comentário sobre, pelo menos, aquele naco de prosa de humor inteligente, intitulado “O Socorro”, escrito por esse homem genial.

Talvez por isso, volto hoje à carga, tentando chamar a vossa atenção para este homem que derrama um humor fino e penetrante, capaz de, por exemplo, ter uma visão sobre a estupidez definida numa simples frase.

“Idiota mesmo é o sujeito que, ouvindo uma história com duplo sentido, não entende nenhum dos dois”


Mas porque Millor Fernandes também abraçou a poesia, com a mesma genelialidade e humor que transparece em toda a sua obra, espero que hoje desfrutem totalmente esta


“Matemática lírica”



Um Quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.


Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base...


Uma Figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo ortogonal, seios esferóides.


Fez da sua
Uma vida
Paralela a dela.


Até que se encontraram
No Infinito.

"Quem és tu?" indagou ele
Com ânsia radical.

"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode chamar-me de Hipotenusa."


E de falarem descobriram que eram
- O que, em aritmética, corresponde
A almas irmãs -Primos-entre-si.


E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz.

Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Rectas, curvas, círculos e linhas senoidais.


Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclideanas
E os exegetas do Universo Finito.

Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E, enfim, resolveram casar-se.

Constituir um lar.
Mais que um lar.
Uma Perpendicular.


Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissectriz.

E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.


Casaram e tiveram uma secante e três cones
Muito engraçadinhos.

E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum...

Frequentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.


Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais Um Todo.
Uma Unidade.

Era o Triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fracção
Mais ordinária.

Mas foi então que Einstein descobriu a
Relatividade.
E tudo que era espúrio passou a ser
Moralidade
Como aliás, em qualquer
Sociedade.

1 comentário:

Anónimo disse...

Delicioso!


Isto já não vinha em Provas Globais, infelizmente. Está explicado o meu insucesso à disciplina.