Ao reler o que publiquei aí há tempos sobre a (hipotética) crise da classe média deu-me um baque. Eu disse que a classe média estava em crise? Disse isso mesmo?
Mas, afinal, qual classe média, se em Portugal foi coisa que nunca existiu? Sabemos apenas que sempre houve os ricos e os pobres mas nunca se sentiu a falta de mais alguém. Se bem que, na minha juventude, na casa dos meus pais, sempre se disse que nós não éramos nem ricos nem, tão pouco pobres, éramos apenas “remediados”. Donde, afinal, para sermos rigorosos, talvez devêssemos considerar não a tal classe média, mas a classe dos “remediados”.
É que isto das classes sociais é basicamente uma questão de mentalidade, muito mais do que de dinheiro. O dinheiro é sempre relativo. Com as mesmas moedas no bolso pode ser-se um príncipe no Rio de Janeiro e um teso em Nova Iorque.
Um pobre está sempre inconformado e nunca se esquece que passou a vida cheio de dificuldades. Mesmo que ganhe o totoloto ou que um tio radicado na Venezuela lhe deixe uma pipa de massa, o pobre nunca abdica do seu estatuto de pobre. Quando muito assume-se como um ... remediado, mas nunca como um rico.
Os ricos podem ser obrigados a comer sardinhas em lata durante todo o mês, que nunca deixam de sentir que vivem num mundo tremendamente diferente e distante do resto da rapaziada.
O que é curioso neste tipo de atitudes, assumida quer por uns, quer por outros, é que nunca ninguém está satisfeito ou tranquilo.
Os pobres passam a vida inteira a reclamar contra o destino e nunca desistem de dizer mal dos endinheirados, muito embora, bem no íntimo, gostassem de estar na sua situação - ter o seu dinheiro, os seus carros e as suas casas.
Os ricos vivem no pânico permanente de perderem a exclusividade do “seu” mundo e do pavor de sentirem que no “seu” restaurante, na mesa ao lado da “sua”, o filho do “seu” jardineiro, emigrado na Alemanha, está a gabarolar-se - entre arrotos e gargalhadas alarves - de pretender comprar o palacete ao lado do “seu”, onde vai espetar dois grandessíssimos e imponentes leões de pedra no portão da entrada.
E porque nunca houve classe média cá no burgo, e porque sempre se gozou este saudável equilíbrio que demorou séculos de História a conquistar, fica-se terrivelmente chateado quando se vê alguém a querer dar nas vistas, sem qualquer vergonha na cara, a dizer-se e a assumir-se como sendo da classe média! Um escândalo. Um escândalo, meus amigos...
Esses tipos não são, nem nunca foram, da classe média. Eles nem sequer são ricos nem pobres, nem o que quer que seja. São, isso sim, tipos que estão muito satisfeitos consigo próprios, orgulhosos por demais da câmara de vídeo que compraram no Jumbo, da camisa Lacoste que é, em si mesma, um símbolo da sua satisfação e das férias que passarem na Eurodisney de Paris com a família.
Levam o tempo a imaginar o que é que podem comprar para aumentar a inveja da vizinhança, mas o único acto de rebeldia de que são capazes é de, quando muito, surripiar um pacote de alcagoitas de um hipermercado.
Este tipo de pessoas da dita “classe média” – os chamados “médios” que, definitivamente, não conseguem chegar a ser classe média – estão completamente satisfeitos com o seu estatuto. Não querem, de todo, ser pobres porque sentiriam vergonha, mas os ricos assustam-nos porque não conseguem perceber que raio valores são aqueles que fazem os ricos passar as férias sentados numa cadeira a ler um livro, enquanto o carro de topo de gama vai ficando dias e dias sem sair da garagem.
Os sonhos dos “médios” são todos iguais e, ainda por cima, são todos estupidamente concretizáveis – ter um apartamento de férias na Marina da Praia da Rocha, um carro novo ao fim de três anos e um emprego como alguma estabilidade para os filhos, se possível num Banco.
Outro dos sonhos dos “médio” é viajar. É vê-los por essa Europa fora, pelo nordeste brasileiro ou por Cuba, sempre acompanhados pela família, a cumprirem escrupulosamente os programas organizados pelas agências de viagem, repetindo incessantemente fotografias a monumentos e panoramas, comprando as mesmas lembranças inúteis de sempre e exibindo a sua imensa felicidade estampada nos rostos por serem exactamente aquilo que são.
E porque os “médios” têm terror à diferença, por pequena que ela seja, acabam infalivelmente por casar com pessoas médias, com quem terão filhos médios e em número médio, para cumprir cabalmente a sua missão cá na terra. Então, poderão morrer felizes e em paz ... e dentro da média, é claro ...
Mas, afinal, qual classe média, se em Portugal foi coisa que nunca existiu? Sabemos apenas que sempre houve os ricos e os pobres mas nunca se sentiu a falta de mais alguém. Se bem que, na minha juventude, na casa dos meus pais, sempre se disse que nós não éramos nem ricos nem, tão pouco pobres, éramos apenas “remediados”. Donde, afinal, para sermos rigorosos, talvez devêssemos considerar não a tal classe média, mas a classe dos “remediados”.
É que isto das classes sociais é basicamente uma questão de mentalidade, muito mais do que de dinheiro. O dinheiro é sempre relativo. Com as mesmas moedas no bolso pode ser-se um príncipe no Rio de Janeiro e um teso em Nova Iorque.
Um pobre está sempre inconformado e nunca se esquece que passou a vida cheio de dificuldades. Mesmo que ganhe o totoloto ou que um tio radicado na Venezuela lhe deixe uma pipa de massa, o pobre nunca abdica do seu estatuto de pobre. Quando muito assume-se como um ... remediado, mas nunca como um rico.
Os ricos podem ser obrigados a comer sardinhas em lata durante todo o mês, que nunca deixam de sentir que vivem num mundo tremendamente diferente e distante do resto da rapaziada.
O que é curioso neste tipo de atitudes, assumida quer por uns, quer por outros, é que nunca ninguém está satisfeito ou tranquilo.
Os pobres passam a vida inteira a reclamar contra o destino e nunca desistem de dizer mal dos endinheirados, muito embora, bem no íntimo, gostassem de estar na sua situação - ter o seu dinheiro, os seus carros e as suas casas.
Os ricos vivem no pânico permanente de perderem a exclusividade do “seu” mundo e do pavor de sentirem que no “seu” restaurante, na mesa ao lado da “sua”, o filho do “seu” jardineiro, emigrado na Alemanha, está a gabarolar-se - entre arrotos e gargalhadas alarves - de pretender comprar o palacete ao lado do “seu”, onde vai espetar dois grandessíssimos e imponentes leões de pedra no portão da entrada.
E porque nunca houve classe média cá no burgo, e porque sempre se gozou este saudável equilíbrio que demorou séculos de História a conquistar, fica-se terrivelmente chateado quando se vê alguém a querer dar nas vistas, sem qualquer vergonha na cara, a dizer-se e a assumir-se como sendo da classe média! Um escândalo. Um escândalo, meus amigos...
Esses tipos não são, nem nunca foram, da classe média. Eles nem sequer são ricos nem pobres, nem o que quer que seja. São, isso sim, tipos que estão muito satisfeitos consigo próprios, orgulhosos por demais da câmara de vídeo que compraram no Jumbo, da camisa Lacoste que é, em si mesma, um símbolo da sua satisfação e das férias que passarem na Eurodisney de Paris com a família.
Levam o tempo a imaginar o que é que podem comprar para aumentar a inveja da vizinhança, mas o único acto de rebeldia de que são capazes é de, quando muito, surripiar um pacote de alcagoitas de um hipermercado.
Este tipo de pessoas da dita “classe média” – os chamados “médios” que, definitivamente, não conseguem chegar a ser classe média – estão completamente satisfeitos com o seu estatuto. Não querem, de todo, ser pobres porque sentiriam vergonha, mas os ricos assustam-nos porque não conseguem perceber que raio valores são aqueles que fazem os ricos passar as férias sentados numa cadeira a ler um livro, enquanto o carro de topo de gama vai ficando dias e dias sem sair da garagem.
Os sonhos dos “médios” são todos iguais e, ainda por cima, são todos estupidamente concretizáveis – ter um apartamento de férias na Marina da Praia da Rocha, um carro novo ao fim de três anos e um emprego como alguma estabilidade para os filhos, se possível num Banco.
Outro dos sonhos dos “médio” é viajar. É vê-los por essa Europa fora, pelo nordeste brasileiro ou por Cuba, sempre acompanhados pela família, a cumprirem escrupulosamente os programas organizados pelas agências de viagem, repetindo incessantemente fotografias a monumentos e panoramas, comprando as mesmas lembranças inúteis de sempre e exibindo a sua imensa felicidade estampada nos rostos por serem exactamente aquilo que são.
E porque os “médios” têm terror à diferença, por pequena que ela seja, acabam infalivelmente por casar com pessoas médias, com quem terão filhos médios e em número médio, para cumprir cabalmente a sua missão cá na terra. Então, poderão morrer felizes e em paz ... e dentro da média, é claro ...
3 comentários:
É terrível termos consciência do quão médios somos.
Ó demascarenhas, não conheces algumas pessoas que são assim mesmo como as descreveste? Ah, estavas a pensar nelas, "comprendi-te..."
Ó demascarenhas, agora também já fazes comentários ao que tu própio escreves? Boa!
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