sexta-feira, janeiro 21, 2011

Um "cê" a mais


Enquanto a isso não for obrigado, não utilizarei aqui no blogue a nova grafia imposta pelo Novo Acordo Ortográfico (não confundir com “A cor do horto gráfico”). Não por teimosia mas por coerência. Continuo a achar que a maior parte das alterações não faz qualquer sentido nem acrescenta qualquer evolução à nossa língua quer para nós portugueses, nem para os outros povos que a falam. Houve, então, interesses que levaram a este resultado? Penso que sim. Mas adiante.

No entanto, nesta minha posição, não estou só. Aliás, estou muito bem acompanhado de personalidades reconhecidas do meio académico e intelectual que se têm manifestado repetidamente contra o Acordo ao longo dos últimos anos.

É o caso de Manuel Halpern, jornalista, escritor e crítico literário que escreveu o delicioso texto que gostaria de partilhar convosco e que passo a transcrever:
“Quando eu escrevo a palavra ação, por magia ou pirraça, o computador retira automaticamente o c na pretensão de me ensinar a nova grafia. De forma que, aos poucos, sem precisar de ajuda, eu próprio vou tirando as consoantes que, ao que parece, estavam a mais na língua portuguesa. Custa-me despedir-me daquelas letras que tanto fizeram por mim. São muitos anos de convívio. Lembro-me da forma discreta e silenciosa como todos estes cês e pês me acompanharam em tantos textos e livros desde a infância. Na primária, por vezes gritavam ofendidos na caneta vermelha da professora: não te esqueças de mim! Com o tempo, fui-me habituando à sua existência muda, como quem diz, sei que não falas, mas ainda bem que estás aí. E agora as palavras já nem parecem as mesmas. O que é ser proativo? Custa-me admitir que, de um dia para o outro, passei a trabalhar numa redação, que há espetadores nos espetáculos e alguns também nos frangos, que os atores atuam e que, ao segundo ato, eu ato os meus sapatos.

Depois há os intrusos, sobretudo o erre, que tornou algumas palavras arrevesadas e arranhadas, como neorrealismo ou autorretrato. Caíram hifenes e entraram erres que andavam errantes. É uma união de facto, para não errar tenho a obrigação de os acolher como se fossem família. Em 'há de' há um divórcio, não vale a pena criar uma linha entre eles, porque já não se entendem. Em veem e leem, por uma questão de fraternidade, os és passaram a ser gémeos, nenhum usa chapéu. E os meses perderam importância e dignidade, não havia motivo para terem privilégios, janeiro, fevereiro, março são tão importantes como peixe, flor, avião. Não sei se estou a ser suscetível, mas sem p algumas palavras são uma autêntica deceção, mas por outro lado é ótimo que já não tenham.

As palavras transformam-nos. Como um menino que muda de escola, sei que vou ter saudades, mas é tempo de crescer e encontrar novos amigos. Sei que tudo vai correr bem, espero que a ausência do cê não me faça perder a direção, nem me fracione, nem quero tropeçar em algum objeto abjeto. Porque, verdade seja dita, hoje em dia, não se pode ser atual nem atuante com um cê a atrapalhar.”

Em consciência, digam lá se eu tenho ou não razão para continuar a escrever de acordo com ortografia antiga?

1 comentário:

provocador disse...

É impressão minha ou andas com uns problemazitos com os cês, os desta crónica e os outros que levam, ou não, cedilha (a do dia 10 deste mês)?