Há uns tempos, terminei um texto com um verso do Bocage que me pareceu adequado ao que tinha escrito. Pelos vistos nem texto nem verso tiveram grande saída, uma vez que ninguém se dignou fazer qualquer comentário. Nem os “habitués” vieram a terreiro nesse dia.
Mas, voltando ao poeta, será bom recordar que Manuel Maria de Barbosa du Bocage (1765-1805) é uma personagem intemporal, um poeta da liberdade, umas vezes erótico, outras lírico, mas sempre irreverente.
Com efeito, da sua pena contundente saíram sátiras impiedosas, críticas ao modelo de sociedade, ao governo e aos poderosos de uma maneira geral. O novo–riquismo, a mediocridade, as convenções sociais, o clero, os médicos, os avarentos e os literatos, entre outros, foram, também, objecto da sua observação rigorosa e da sua crítica corrosiva.
Apesar de tudo, Bocage ficou conhecido principalmente por ser um poeta jocoso e anedótico. Por isso os seus versos satíricos são os mais conhecidos.
Hoje, deu-me para recordar Bocage e para lembrar uma poesia que mostra a forma como o poeta se retratava, como se via a si próprio, poema a que ele chamou Retrato Próprio.
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Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste da facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno.
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Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno:
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Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades:
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Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.
1 comentário:
Para que não se queixe que não vamos a terreiro, tenho a dizer-lhe que, por momentos, me levou de regresso ao secundário (acho que foi no secundário) pois "dissequei" este poema. Lembro-me que o analisámos palavra por palavra. E gostei...
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