terça-feira, maio 01, 2007

Amador sem coisa amada

De António Gedeão

"Amador sem coisa amada"

Resolvi andar na rua,
com os olhos postos no chão,
quem me quiser que me chame,
ou que me toque com a mão.
Quando a angústia embaciar,
de tédio os olhos vidrados,
olharei para os prédios altos,
para as telhas dos telhados.
Amador sem coisa amada,
aprendiz colegial,
sou amador da existência,
não chego a profissional.

Rómulo Vasco da Gama de Carvalho

(Lisboa, 24.11.1906 - Lisboa, 19.02.1997)

Foi professor, pedagogo, investigador de História da Ciência em Portugal, divulgador da ciência e poeta sob o

pseudónimo de António Gedeão.

"Pedra Filosofal" e "Lágrima de Preta" são dois dos seus mais célebres poemas.


6 comentários:

Anónimo disse...

Gosto particularmente de poemas curtos (recomendo vivamente os chamados ai-ku ou ai-kai no plural).
Amante da concisão acho que quanto mais se conseguir dizer em pouco tempo, melhor (eu sei que isto não serve para a política, mas também quem é que quer ser político ? ...)
Por isso me lembrei de um poema do António Gedeão que diz muito em apenas 3 linhas; aí vai:
Catedral de Burgos


A catedral de Burgos tem trinta metros de altura

E as pupílas dos meus olhos dois milímetros de abertura.

Olha a catedral de Burgos com trinta metros de altura!

Anónimo disse...

"diz muito em apenas 3 linhas".
E o que dizem esses versos para além de algumas informações métricas?

Anónimo disse...

Da poesia sempre se disse que ou a sentimos (e isso depende muito da riqueza das nossas próprias experiências)ou quando necessitamos de a explicar é como as anedotas: perdem a piada.
Se a única referência que retira do poema é a métrica da coisa, deixe-me adivinhar: a sua área é das engenharias ou similares. Acertei ?
A minha visão (sou de Letras como formação académica e posso estar influenciado, confesso) vai muito mais no sentido de entender a fragilidade do Homem enquanto ser pequeno face à própria beleza que cria. Mas por outro lado a possibilidade de abranger uma globalidade por maior que seja apesar dessa pequenez (a dicotomia entre os dois milímetros e os trinta metros).
Mas isto já seria explicar a anedota...
Cumprimentos e acredite que gostei que questionasse a minha opinião.

Anónimo disse...

Caro anónimo, eu não coloquei em causa a sua opinião, eu apenas quis saber o que lia nas entrelinhas.
Sabe que de interpretações cada um tem a sua, e eu tive curiosidade em saber qual seria a sua.
Obrigado por ter respondido.

Anónimo disse...

Meus caros anónimos. É sempre agradável assistir a uma boa dialéctica, ainda que não tenha o prazer de conhecer quem esgrime tão sábios pensamentos.

A questão da simplicidade, quer em poesia quer em prosa, o saber transmitir em poucas linhas, por vezes em poucas palavras é um dom, infelizmente só acessível a alguns. Se bem que há poemas e textos que são necessariamente mais longos mas não menos belos.

De qualquer forma, admiro muito quem consegue sintetizar estados de espírito de uma forma tão bela, como naquela frase árabe que diz:

“Não há nada mais cruel na vida do que ser cego em Granada ...”

Anónimo disse...

Eu iria um pouco mais longe “Não há nada mais cruel na vida do que ser cego por causa de uma Granada ...”