quinta-feira, fevereiro 03, 2011

Do que é que vamos falar então?


Muitos dos silêncios que hoje “se escutam” nas famílias, entre colegas de trabalho e até entre amigos são também uma consequência do mundo globalizado em que vivemos, onde a informação é imensa e extremamente rápida.

Quando não havia internet e tantos canais de televisão que hoje nos permitem mergulhar em mundos inimagináveis até há uns anos, a nossa conversa centrava-se basicamente nos programas (da televisão única) a que tínhamos assistido na véspera e que formatavam as cabeças e as vidinhas de todos. Isto, claro está, para além de algumas tertúlias intelectuais mais ou menos toleradas pelo regime. As discussões travavam-se à volta do último festival da canção, dos chamados programas recreativos e dos concursos que eram, afinal, o foco principal da nossa atenção, para além de se falar dos problemas das famílias e, em particular, dos filhos. Ah, e havia também as touradas, os programas de fados e guitarradas e, naturalmente, o futebol.

O nosso mundo era muito pequeno e as nossas “preocupações” localizadas.

Hoje nota-se alguma dificuldade em conversar porque os interesses dos presentes são muito diversificados. Não quer dizer que não falem, mas, a meu ver, tornou-se mais difícil manter uma boa cavaqueira durante uma tarde ou uma noite.

Por muito interessantes que sejam as personalidades presentes, é arriscado falar-se, por exemplo, sobre literatura ou cinema porque a cultura de alguns, nessas matérias, pode não ser a melhor. E de política? Arriscadíssimo, acho eu. É muito provável que não se passe da repetição do que ouviram nos telejornais ou dos chavões mais utilizados pelos políticos mais conhecidos. Análise crítica ou ideológica seria pedir demasiado.

A verdade é que há hoje um universo de informação extremamente acessível e rápido. E se isso é bom, não podemos, por outro lado, deixar de nos questionar se essa mais-valia pode vir a tornar-se excessiva. É que se corre o risco de que a mensagem que se pretende transmitir não chegue por inteiro aos seus destinatários.

Como conciliar interesses, como dialogar? Do que é que vamos falar então?


2 comentários:

Fernando Gomes disse...

A questão colocada parece-me bastante pertinente, e carece de alguma reflexão. De facto, a globalização tem servido para “bombardear” as pessoas de informações atrás de informações, o que obriga o comum dos mortais a um esforço muito grande de assimilação, claro, se a pessoa estiver interessada em se manter a par dos acontecimentos. Tal exercício requer uma elasticidade de raciocínio, assimilação e filtragem da informação, o que nem sempre é fácil de realizar. No entanto, penso que existirá sempre áreas do lazer que serão sempre do conhecimento da maioria das pessoas, tais como o cinema, o teatro, a música, a leitura, etc. Para alguns dos especialistas, nomeadamente os Sociólogos, esta é o lado menos bom da Globalização, pois são muitos conceitos e acontecimentos a reter. Na minha opinião, devemos estar atentos a tudo o que nos rodeia, cabendo a cada um filtrar e aprofundar realmente o que interessa, tipo cultura geral, mas que não entre em exageros. A questão relacionada com “O que falar?”, “Como conciliar interesses?” é colocada de outra forma, ou seja, cada vez mais as pessoas têm um conhecimento geral das coisas, o que permite dialogar com a grande maioria, mas, por outro lado, coloca-se outra questão, com que profundidade é realizado esse conhecimento? Isto parecerá uma roleta russa, pois sabemos que aquela pessoa certamente já ouviu qualquer coisa sobre aquele assunto, mas não sabemos com que profundidade? A resposta encontraremos nos chamados “interesses individuais”, pois é impossível não sermos atingidos pela vasta informação, mas cada um fará a sua filtragem e aprofundamento da mesma. Diria mesmo que, com a globalização todos saberemos falar de qualquer coisa, a questão será sim com que profundidade. Com os conhecidos é mais fácil, pois conhecemos os seus gostos e interesses e podemos “entrar” por ai, agora com os estranhos é uma autêntica “roleta russa”…Já agora, não é nada que não tenhamos assistido, pois no nosso mundo laboral, o que não falta é “gente” que fala de tudo e mais alguma coisa, mas que na verdade não sabem do que estão a falar em concreto, o que me leva a concluir que a Globalização já existia há muito, mesmo antes da sua “formal e anunciada chegada”. Pensem nisto.

demascarenhas disse...

“No entanto, penso que existirá sempre áreas do lazer que serão sempre do conhecimento da maioria das pessoas, tais como o cinema, o teatro, a música, a leitura, etc.”

Olhe que não, olhe que não, Fernando. Espraie o olhar à sua volta e veja – sinta – se a “maioria das pessoas” tem esse conhecimento a que se refere, mesmo nas áreas que mencionou. Com sinceridade verá que não. Infelizmente.