quarta-feira, fevereiro 23, 2011

A filosofia do taxista

Trago-vos hoje um texto de humor (e não só), do escritor brasileiro Luís Fernando Veríssimo. Espero que gostem.


"Entrou no táxi parado no ponto e pediu:
- Rua tal, número tal.
O motorista virou-se para encará-lo e perguntou:
- Tem a certeza?
-Como “tem a certeza”? Tenho sim. Vamos lá.
- O senhor sabe como está o trânsito naquela zona?
- Muito ruim, é?
- Péssimo. E não é só naquela zona. É em toda a cidade. Tudo parado.
- Eu sei, eu sei. Mas eu preciso ir.
- Precisa mesmo?
- Olha aqui, meu amigo, se você não quer me levar...
- Não, pense bem. Precisa mesmo? Certeza absoluta?
- Claro. Tenho uma reunião importantíssima.
- Importantíssima?
- Bom... Importante.
- Importante?
- Está certo. Não é questão de vida ou morte. Pensando bem, nada é uma questão de vida ou morte. A não ser a morte.
- E a vida.
- Como assim?
- A única coisa vital da nossa vida é a nossa vida. O senhor concorda?
- Não sei se eu...
- Tome o seu caso. Correndo para ir a uma reunião importante que não é tão importante assim. Enfrentando trânsito que não anda, se irritando, enfim, se matando. Transformando uma questão que não é vital numa questão de vida e morte. É ou não é?
- É, mas...
- Eu sei. O senhor precisa ganhar dinheiro. Tem que sustentar a família. É casado?
- Estou me separando...
- Então. Precisa de dinheiro. Eu também. Não posso ficar parado. Mas o dinheiro não compra a vida. Pelo contrário, a gente gasta a vida para ter dinheiro. É uma troca em que sempre se sai perdendo. Qual foi o problema?
- Como?
- A separação.
- Ah. Pois é. Foi isso. Eu vivo irritado com essa loucura toda, ela vive irritada, nós acabamos só nos irritando mais um ao outro. Mas foi ela que quis se separar.
- E não tem jeito mesmo?
- Sei lá. Por mim, teria. Mas ela diz que eu não consigo me desligar do meu trabalho e das minhas preocupações. Que eu estou sempre ligado, que viver comigo é como viver com uma caixa 24 horas.
- Faça o seguinte. Quando chegar em casa hoje, gire um botão imaginário, ou torça o seu próprio nariz, e diga que está se desligando. Que nada é mais importante na sua vida do que o amor dela, e do que ficar com ela.
-É, pode dar certo.
- Eu sei que vai dar.
- De onde você tirou tanta sabedoria?
- Dos engarrafamentos. Trancados no trânsito o dia inteiro, temos duas opções. Ou nos transformamos em neuróticos com fantasias assassinas, ou aproveitamos o tempo parado para filosofar. Eu escolhi a filosofia.
- Talvez você possa me ajudar com outro problema...
- Só um instante. Se o senhor não se importar, vou ligar o taxímetro durante a sessão.
- Tudo bem".

Sem comentários: