Abril não é só um mês nem o 25 de Abril é apenas uma data e um feriado. Ambos fazem parte da História recente do nosso país e têm um significado profundo para os portugueses, independentemente das ideologias de cada um. Uma data muito importante – mas infelizmente bastante esquecida mesmo pelos que viveram em ditadura - que é sempre bom relembrar e comemorar.
Nesse sentido, e a exemplo do que aqui já tem acontecido noutros anos, trago-vos desta vez um excerto de um artigo publicado no Diário de Notícias de 25 de Abril, da autoria da jornalista Fernanda Câncio.
A escolha deste texto obedeceu a dois critérios: O primeiro, porque está muito bem escrito e retrata com verdade algumas das diferenças de como se vivia em Portugal antes do 25 de Abril de 1974 e como se passou a viver depois. O segundo, porque este tipo de testemunhos ajuda, por um lado, a preservar a memória dos que viveram antes da revolução dos cravos e, por outro, para aqueles que nasceram depois daquela data, a conhecer algumas das principais transformações e conquistas que se registaram nestes últimos 34 anos e que, naturalmente, não caíram do céu, como alguns poderão julgar. Tanto mais que para estes últimos, nem a escola nem as famílias, foram capazes de lhes transmitir toda a riqueza de uma época absolutamente extraordinária, que mudou em definitivo a vida dos portugueses.
“… Quando oiço ou leio elogios a Salazar e ao "outro tempo" a gente que tem idade para se lembrar, fico estupefacta. Nunca deixa de me espantar que se considere que "se vivia melhor" ou "havia mais segurança". É que não é uma questão subjectiva: não me venham com questões subjectivas. Nada há mais objectivo que os indicadores do Instituto Nacional de Estatística, e a forma como nos últimos 34 anos as provas do bem-estar dos portugueses aumentaram de modo quase milagroso. A mortalidade infantil e materna, por exemplo: passámos de um índice de país do Terceiro Mundo para um dos mais honrosos da UE. A esperança de vida. A electricidade, a água canalizada, as casas de banho dentro das casas. A quantidade de jovens que conseguem aceder ao ensino superior. Quem acha que isso não tem nada a ver com a democracia e que era inevitável deve questionar-se, por exemplo, sobre o motivo pelo qual em quase todos os países totalitários, independentemente da sua riqueza, a maioria das pessoas vive tão mal.
Porque antes da democracia a esmagadora maioria dos portugueses vivia mal. Havia miséria como não há, nem por sombras, hoje. Havia pobreza como não há, nem por sombras, hoje. Há gente a viver mal hoje, idosos com reformas miseráveis. Mas antes da democracia não havia sequer reforma garantida para todos - lembram-se? E podia não haver carjacking - não havia sequer carros que chegassem para isso - mas havia tropa obrigatória, lembram-se? E minas nas picadas, e emboscadas na selva. Quantos portugueses morreram, obrigados, na guerra? Quantos voltaram deficientes? Quantos tiveram de fugir para não serem enviados para África? Quantos fugiam, "a salto", para tentar uma vida melhor no estrangeiro? Quantos morriam de medo de dizer alguma coisa errada que os levasse a serem considerados anti-regime, a perder o emprego, a serem presos? Era seguro, ser português? Era seguro, viver numa ditadura?
Há, claro, sonhos que se perderam e traíram. Não somos todos felizes - mas só nos cartazes das ditaduras toda a gente sorri. Os amanhãs cantaram, mas desafinados para muitos ouvidos. Desafinam ainda, e ainda bem - porque agora depende tudo de nós, e cada voz canta diferente. Sobretudo, não me digam que "há medo de falar" nem usem a palavra "fascismo" a torto e a direito. Porque é ridículo, demasiado ridículo, mas porque, sobretudo, é um insulto a todos os que realmente souberam o que era ter medo e viver num regime totalitário, todos os que no "dia inicial, inteiro e limpo" de Sophia se sentiram, enfim, inteiramente inteiros.”
Nesse sentido, e a exemplo do que aqui já tem acontecido noutros anos, trago-vos desta vez um excerto de um artigo publicado no Diário de Notícias de 25 de Abril, da autoria da jornalista Fernanda Câncio.
A escolha deste texto obedeceu a dois critérios: O primeiro, porque está muito bem escrito e retrata com verdade algumas das diferenças de como se vivia em Portugal antes do 25 de Abril de 1974 e como se passou a viver depois. O segundo, porque este tipo de testemunhos ajuda, por um lado, a preservar a memória dos que viveram antes da revolução dos cravos e, por outro, para aqueles que nasceram depois daquela data, a conhecer algumas das principais transformações e conquistas que se registaram nestes últimos 34 anos e que, naturalmente, não caíram do céu, como alguns poderão julgar. Tanto mais que para estes últimos, nem a escola nem as famílias, foram capazes de lhes transmitir toda a riqueza de uma época absolutamente extraordinária, que mudou em definitivo a vida dos portugueses.
“… Quando oiço ou leio elogios a Salazar e ao "outro tempo" a gente que tem idade para se lembrar, fico estupefacta. Nunca deixa de me espantar que se considere que "se vivia melhor" ou "havia mais segurança". É que não é uma questão subjectiva: não me venham com questões subjectivas. Nada há mais objectivo que os indicadores do Instituto Nacional de Estatística, e a forma como nos últimos 34 anos as provas do bem-estar dos portugueses aumentaram de modo quase milagroso. A mortalidade infantil e materna, por exemplo: passámos de um índice de país do Terceiro Mundo para um dos mais honrosos da UE. A esperança de vida. A electricidade, a água canalizada, as casas de banho dentro das casas. A quantidade de jovens que conseguem aceder ao ensino superior. Quem acha que isso não tem nada a ver com a democracia e que era inevitável deve questionar-se, por exemplo, sobre o motivo pelo qual em quase todos os países totalitários, independentemente da sua riqueza, a maioria das pessoas vive tão mal.
Porque antes da democracia a esmagadora maioria dos portugueses vivia mal. Havia miséria como não há, nem por sombras, hoje. Havia pobreza como não há, nem por sombras, hoje. Há gente a viver mal hoje, idosos com reformas miseráveis. Mas antes da democracia não havia sequer reforma garantida para todos - lembram-se? E podia não haver carjacking - não havia sequer carros que chegassem para isso - mas havia tropa obrigatória, lembram-se? E minas nas picadas, e emboscadas na selva. Quantos portugueses morreram, obrigados, na guerra? Quantos voltaram deficientes? Quantos tiveram de fugir para não serem enviados para África? Quantos fugiam, "a salto", para tentar uma vida melhor no estrangeiro? Quantos morriam de medo de dizer alguma coisa errada que os levasse a serem considerados anti-regime, a perder o emprego, a serem presos? Era seguro, ser português? Era seguro, viver numa ditadura?
Há, claro, sonhos que se perderam e traíram. Não somos todos felizes - mas só nos cartazes das ditaduras toda a gente sorri. Os amanhãs cantaram, mas desafinados para muitos ouvidos. Desafinam ainda, e ainda bem - porque agora depende tudo de nós, e cada voz canta diferente. Sobretudo, não me digam que "há medo de falar" nem usem a palavra "fascismo" a torto e a direito. Porque é ridículo, demasiado ridículo, mas porque, sobretudo, é um insulto a todos os que realmente souberam o que era ter medo e viver num regime totalitário, todos os que no "dia inicial, inteiro e limpo" de Sophia se sentiram, enfim, inteiramente inteiros.”
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