Embora não estivesse em Lisboa na semana passada, fui acompanhando, na medida do possível, o que se ia acontecendo no país.
E foi com um enorme espanto que, num dos telejornais, ouvi o ministro das Obras Públicas, Mário Lino, numa intervenção num almoço-debate com economistas, em Lisboa, dizer que
“... Fazer um aeroporto na margem sul seria um projecto megalómano e faraónico porque, além das questões ambientais, não há gente, não há hospitais, não há escolas, não há hotéis, não há comércio, um deserto para onde seria necessário deslocar milhões de pessoas ... ".
Ora, o governo fará o aeroporto onde entender e onde os estudos que estão feitos há muito assim o recomendarem (estudos que foram aprovados pelos vários governos ao longo de décadas), seja o local escolhido a Ota, o Poceirão, Rio Frio, Faias ou Alguidares de Baixo.
Pelo contrário, o que o governo não pode, nem tão-pouco os seus ministros, é dizerem barbaridades destas que, obviamente ninguém entende nem aceita.
Então, o senhor ministro acha que não há gente, não há hospitais, nem escolas nem hotéis em todo o território para além do Tejo, nomeadamente no Barreiro, Setúbal, Montijo, Alhos Vedros e Moita? Ou, pelo contrário, será que a Ota terá todas essas estruturas em quantidades industriais e os tais milhões de pessoas que referiu?
Não admira, por isso, convenhamos, que os autarcas da Margem Sul tenham reagido tão prontamente e com tanta indignação contra o senhor ministro!
Mas Mário Lino não se quedou por aí e não resistiu também a comparar a opção sul do Tejo a um doente aparentemente de boa saúde, mas "com um cancro nos pulmões, o que é fatal".
Meu caro ministro, como não tinha ficado satisfeito com a bojarda anterior, vá de meter-se com as pessoas que, infelizmente, têm cancro e que, certamente, não gostaram nada da piada. O senhor fez-me lembrar aquele seu ex-colega ministro do ambiente do PSD - Carlos Borrego - que pretendeu fazer humor com os alentejanos à conta do alumínio elevado na água, a qual vitimou vários doentes que faziam hemodiálise, no hospital de Évora. E, por isso, foi demitido de imediato.
Veja lá, senhor ministro, há piadas que saem caro ...
Já no outro dia pôs uma plateia a rir à gargalhada ao dizer que era engenheiro e que estava inscrito na ordem. O seu chefe é que não deve ter gostado lá muito dessa graça e nem sequer deve ter mostrado qualquer esgar que se parecesse com um sorriso, por pequeno e amarelo que fosse.
Nós sabemos que o senhor é voluntarioso e que gosta de dizer umas chalaças, mas parece-nos, também, que, muitas das vezes, as palavras saem-lhe da boca a uma velocidade muito maior do que são pensadas.
E depois delas ditas, é difícil fazer acreditar a rapaziada que a sua declaração foi retirada do contexto pela comunicação social. Qual contexto, não me dirá? Se eu próprio ouvi, palavra por palavra, tudo aquilo que disse?
A não ser que quisesse utilizar uma metáfora. Mas isto das metáforas tem dois problemas associados. O primeiro é que nem toda a gente as entende. O segundo é que é necessário explicar convenientemente o que essa metáfora pretende significar.
Só que o senhor ministro disse claramente que não há condições para se fazer um aeroporto na margem sul porque é um deserto. O senhor disse isso e isso não me parece uma metáfora. Pelo contrário, tenho a certeza de que foi uma afirmação e os autarcas desse deserto têm todos os motivos para estarem zangados consigo.
Se aceita uma sugestão, tenha alguma moderação nas palavras e não se deixe entusiasmar por elas.
No fundo o que me admira é que o primeiro-ministro não chame a si a tarefa da comunicação do governo, enquanto um todo. Deste modo, evitaria que ministros como o senhor e o seu colega Manuel Pinho não se metessem em tantas confusões e contradições, que dão a ideia duma certa desorganização do governo a que pertencem.
E se o Engenheiro Sócrates, estiver preocupado com outras preocupações e não puder coordenar a comunicação externa do governo, peçam ajuda ao Pinto da Costa que já deu sobejas provas de que apenas ele, e só ele, fala pelo Futebol Club do Porto.