quinta-feira, janeiro 31, 2013

O sinal de trânsito mais antigo de Lisboa

 
Costumo dizer por brincadeira que os sinais de trânsito, tal como as leis, são meros referenciais que servem para orientar mas que raramente são cumpridos. Quantas vezes já passámos semáforos cujo vermelho já caiu há muito? Quantos estacionamentos fizemos à margem do que é permitido, confiando na sorte de não ser passada a devida coima?

Mas essas leis e esses sinais de trânsito existem e, na maior parte dos casos, são perfeitamente justificados.

Hoje dou-vos conta do que se conhece como o sinal de trânsito mais antigo da cidade de Lisboa e que pouca gente fará ideia. Está "plantado" na Rua do Salvador, no coração de Alfama. Trata-se de uma placa que foi mandada afixar, em 1686, por El-Rei D. Pedro II para orientar os coches que passavam por esta rua estreita. E diz assim:

"Ano de 1686. Sua Majestade ordena que os coches, seges e liteiras que vierem da portaria do Salvador recuem para a mesma parte. Ou seja, o coche que vem de cima perde prioridade em relação ao coche que vem de baixo.

Esta rua, que foi muito importante há quatro séculos, quando ligava as portas do Castelo de São Jorge à Baixa, hoje em dia é uma pequena travessa cheia de prédios arruinados entre a Rua das Escolas Gerais e a Rua de São Tomé. A meio da pequena subida há um edifício fora do alinhamento dos restantes que a estrangula. No tempo de D. Pedro II este estreitamento era causa de muitas discórdias entre os carroceiros que subiam ou desciam a rua. Se dois se encontrassem a meio, nenhum cedia passagem, uma vez que era tarefa difícil fazer recuar os animais. Muitas foram as lutas e duelos, com feridos e mortos. Para evitar a discórdia, foi publicado então um édito real e criado este "sinal de trânsito" para estabelecer a prioridade em tal situação.

Para que saibam!



quarta-feira, janeiro 30, 2013

O café faz mal aos dedos

 
Tenho uma máquina de café (daquelas que utilizam cápsulas), cujo marca não divulgo, primeiro porque não me pagaram para fazê-lo e, também, porque eu sei que o George Clooney (o Timothy, como lhe chamo quando nos encontramos) ficaria aborrecido pelo incidente que vos vou relatar, acontecido exactamente com uma máquina da marca que lhe paga principescamente para ele fazer publicidade a ela.

Pois bem, tenho uma máquina de café que faz um café gostosíssimo e que utilizo várias vezes por dia lá em casa. Mas, lá está, o café é óptimo mas uma máquina é apenas uma máquina. E as máquinas avariam, para mal dos nossos pecados.

Há dias, uma cápsula foi mal metida e a máquina encravou. Nem para a frente nem para trás. E eu, que ao longo dos anos fui aprendendo a arte do desenrascanço (estou a falar, está bem de ver, da tentativa de reparar avarias domésticas sem os meios e os conhecimentos adequados), quis de imediato resolver o problema. Puxei de um lado, forcei do outro e nada. Até que pensei (e pensei mal, como se verá) meter o polegar num orifício por debaixo da máquina enquanto que, com a outra mão, tratei de fazer força na alavanca que está na parte de cima da máquina. Resultado: o meu querido polegar quase ficou esmagado e quase desmaiei com tanto sangue (e só não desmaiei mesmo porque sou muito racional (?) e valente (??) e pensei que se desmaiasse cairia e, na queda, poderia bater com a cabeça nalgum sítio duro e ficar ainda pior).

Bem, ia ficando sem o dedo mas a cápsula saiu e a máquina voltou a funcionar.

Tratado o dedo e recuperada a dignidade (só me tinha faltado chorar com a dor) fiquei com uma certeza que até agora nunca tinha sido concluída por algum estudo jamais feito:

"O café faz mal aos dedos!"




terça-feira, janeiro 29, 2013

O regresso ao Serviço Militar Obrigatório?

 
Lembram-se daquela conferência (à porta fechada), promovida pelo Executivo, a que chamaram "Pensar o Futuro"? Quero acreditar que dali saíram as mais brilhantes ideias para um futuro promissor. Um desígnio, uma estratégia que pudessem dar a volta a este país moribundo. Saíram ideias, muitas, com certeza, pena foi que os portugueses não soubessem quais.
 
Mas, por portas e travessas, uma proposta chegou ao nosso conhecimento: a reintrodução do serviço militar obrigatório. Brilhante, sem dúvida. Depois de terem incitado os jovens a emigrarem (a ajudarem outros países com os conhecimentos que nós todos pagámos), abrem-se, agora, novas expectativas cá dentro enfiando os mancebos "voluntariamente" em quartéis. Quartéis que, entretanto, já foram quase todos desactivados porque os efectivos diminuíram drasticamente. Mas isso é um problema que se resolverá depois. É um bocado como a dívida que se vai empurrando e que um dia, um dia distante, talvez seja paga.
 
Mas o que achei curioso na possibilidade de voltar a haver o serviço militar obrigatório é que esta medida surgiu agora, num governo de Passos Coelho, quando foi o mesmo Passos Coelho, então Presidente da JSD, que acabou com o SMO, fazendo desta questão uma das suas principais bandeiras políticas. Enfim, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.
 
Mas volte-se, ou não, ao serviço militar obrigatório, esta é mais uma falsa questão. O que está realmente em jogo é a necessidade de conter custos com o pessoal militar. Coisa que o próprio Ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, implicitamente, já admitiu quando falou no “redimensionamento da estrutura das Forças Armadas do ponto de vista orgânico”, tendo mesmo vincado o objectivo de diminuir o gasto com o pessoal e a não renovação de contratos a 12 mil militares.
 
A eventualidade de incorporarmos nas nossas Forças Armadas uns milhares de jovens a muito baixo custo, bem pode ser uma resposta à saída desenfreada de jovens para o estrangeiro, à diminuição do número de desempregados e, ainda e não menos importante, à compensação para o corte de 200 milhões de euros que vai ser aplicado no Ministério da Defesa.
 



segunda-feira, janeiro 28, 2013

Os festejos do regresso aos mercados

 
Não pude deixar de comparar os festejos governamentais sobre o sucesso da emissão de dívida pública da última semana com as recentes vitórias do Sporting. Com o novo treinador, o clube de Alvalade conseguiu três vitórias consecutivas em outros tantos jogos. E depois? Para além de recuperarem o orgulho ferido, o que é que o clube ganhou? Nada, não se salvaram de uma má época, tão-pouco de uma situação financeira difícil.
 
Com o regresso aos mercados - em que Portugal aparentemente voltou à lista dos investidores internacionais e em que conseguimos uma taxa de juro simpática (4,891%), ainda assim acima da taxa praticada pelos empréstimos da troika - qual foi o ganho real do nosso país? É certo que embolsámos mais uns milhões mas, na verdade, nada mudou.
Do ponto de vista financeiro, poderemos até ter melhorado alguma coisa mas vão continuar as falências, vão continuar a aumentar os desempregados, vão continuar a diminuir as receitas fiscais, vai continuar a subir a recessão, vai continuar a desaparecer a economia e vão continuar também os sacrifícios para os cidadãos. O que é que, então, o regresso aos mercados nos trouxe, qual foi a boa notícia? É que, futuramente, poderemos continuar a endividar-nos, mesmo sem a ajuda da troika. E, recorde-se, a dívida pública portuguesa já ultrapassou os 120% do PIB.

Depois do foguetório com o regresso aos mercados a pergunta que muitos portugueses gostariam de ver respondida é:
 
- os 2 500 milhões que agora nos foram emprestados irão ser canalizados para a Banca de modo a que particulares e, sobretudo pequenas e médias empresas se possam financiar e, consequentemente, dinamizar a economia?

Tenho muitas dúvidas que isso aconteça e não fiquei nada tranquilo quando ouvi Passos Coelho dizer "Isto não é o ponto de chegada, é o ponto de partida". Deduzo, portanto, que continuaremos a ir aos mercados e que o endividamento continuará a aumentar. Só não sei até quando ....
 



sexta-feira, janeiro 25, 2013

Há coisas difíceis de entender ...

 
Crise! Miséria! Medo! Três palavras que se tornaram banais quando a crise iniciada em 2008 começou a ter reflexos práticos nas nossas vidas. As pessoas assustaram-se com a austeridade e retraíram os seus consumos, uns por falta de meios e outros por precaução. E como o medo colectivo é uma força poderosa, o pânico nos consumidores levou à ruína muitos empresários.
 
Mas nem todos os empresários ficaram receosos. Muito embora as vendas nos centros comerciais em Portugal tenham recuado 6% no ano passado, face a igual período de 2011, ainda assim, em 2013 vão abrir mais 9 centros comerciais. Por isso é que eu digo que "há coisas difíceis de entender". Estando a economia em recessão, tendo o poder de compra das famílias caído significativamente e não se esperando, a médio prazo, que a situação se altere, como perceber a abertura de mais centros comerciais? Tanto mais que são projectos de grandes investimentos e cuja rendibilidade está fortemente dependente do consumo que, como vimos, está a descer. Então, como entender?
 



quinta-feira, janeiro 24, 2013

Nada mal, em tempo de crise

 
Hoje, para amenizar um pouco da "euforia" com o regresso antecipado de Portugal aos mercados (um sucesso, segundo dizem), um assunto mais leve que talvez vos faça sorrir. A "notícia" recebi-a via e-mail e não tive como confirmá-la. Dizia assim:
 
"Um estudo da Universidade Técnica de Lisboa mostrou que cada português caminha em média 440 km por ano.
 
Um outro estudo feito pela Associação Médica de Coimbra revelou que, em média, o português bebe 26 litros de vinho por ano.

Conclusão:
Os portugueses gastam, em média, 5,9 litros (de vinho) aos 100 km".

Em suma, a ser verdadeira a notícia, os portugueses são económicos.
Afinal, nem tudo está mal neste País! "
 



quarta-feira, janeiro 23, 2013

O novo modelo de sustentabilidade

 
 
Se dúvidas havia em como "aguentar" as contas da nossa Segurança Social, a partir de agora elas desapareceram. É só seguir aquilo que o Ministro das Finanças japonês preconiza para o seu próprio país.
 
 
A fazer fé nas notícias que foram publicadas nas últimas horas, Taro Aso, de 72 anos, o novo Ministro das Finanças do Japão - um país onde um quarto dos 128 milhões de habitantes tem mais de 60 anos - declarou durante uma conferência sobre reformas da Segurança Social:
 
"os idosos deveriam morrer rapidamente para aliviar o Estado do pagamento das contas com a saúde. Deus queira que (os idosos) não sejam forçados a viver até quando quiserem morrer. Eu sentir-me-ia muito mal sabendo que o tratamento estaria a ser pago pelo Governo. O problema não se resolve a não ser que os deixemos morrer”.


Atarefados como estão, só espero que Vítor Gaspar e Passos Coelho (e os seus conselheiros) nem sequer venham a conhecer este modelo. Não precisamos que ninguém lhes dê mais ideias, não vão eles querer experimentar.
 



terça-feira, janeiro 22, 2013

A verdadeira razão para a ADSE não acabar

 
 

O líder do Partido Socialista afirmou este fim-de-semana que queria que "os portugueses voltassem a acreditar na política e nos políticos". Eu gostaria de acreditar mas concordarão que isso vai ser muito difícil enquanto os partidos que estiverem no Governo puserem em prática políticas exactamente contrárias às que constavam nos seus programas eleitorais e pelas quais foram eleitos, ou enquanto ouvirmos diversos membros de um mesmo partido exprimirem publicamente ideias diferentes (e até contraditórias) sobre um mesmo assunto. É, pois, cada vez mais difícil acreditar nos políticos.

 
Ainda agora, Álvaro Beleza, dirigente nacional socialista com a responsabilidade da Saúde, afirmou que a ADSE, o subsistema de saúde dos funcionários públicos, deveria acabar e ser integrada no Serviço Nacional de Saúde. Em resposta, quer Carlos Zorrinho quer o próprio António José Seguro apressaram-se a dizer que a posição oficial do Partido Socialista não era essa e que Beleza falara apenas a título pessoal.



Sempre achei salutar a diferença de opiniões mas, num partido político como em qualquer organização, as divergências devem ser discutidas internamente para só depois haver uma conclusão que, essa sim, deve reflectir a posição oficial do organismo. Enfim, é só a minha opinião e aquilo que assistimos é uma coisa bem diferente.


 
Mas se as posições de Álvaro Beleza e de Carlos Zorrinho e de António José Seguro não são coincidentes, a ideia desse "grande político" que também pertence ao PS e que dá pelo nome de José Lello, divulgada no Facebook, é deveras eloquente: "não quer o fim da ADSE porque a maioria dos funcionários públicos são eleitores do PS".
 
Palavras para quê? Entre o número de votos nas eleições e o interesse do país e dos seus cidadãos, a escolha está feita. E se calhar é exactamente isso que pensa a maioria dos políticos ...
 




segunda-feira, janeiro 21, 2013

Não, no vinho não, por favor

 
Sempre distingui o que é absolutamente indispensável para o corpo do que é absolutamente indispensável para o espírito. Embora ambas se completem.
 
O que é que eu quero dizer com isto? Se, por um lado, não podemos viver sem comer pão, fruta, carne ou peixe - o corpo não passa sem isso (ou passa muito mal) - por outro, também não podemos viver do que nos alimenta o espírito, os livros, o cinema, o teatro, enfim, a cultura. Como disse, ambas são essenciais e complementares. E ambas deveriam ser uma preocupação dos Governos.
No ano passado o Governo decidiu que o IVA da restauração passaria de 13% para 23%. Exactamente como aconteceu com produtos alimentares básicos como frutos e produtos hortícolas, óleos e margarinas alimentares, café, pizas e outros. Felizmente que o imposto para o vinho se quedou pelos 13%, muito embora o slogan inventado pelo Estado Novo - beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses - já estivesse há muito esquecido. Da mesma forma a cultura não passou directamente dos 6% para os 23%, ficando pela taxa intermédia de 13%.
Um ano passado, o relatório do FMI, que se conheceu há pouco, veio propor a alteração da estrutura das taxas de IVA, passando das actuais três (6%, 13% e 23%) para apenas duas. Em nome de uma maior justiça social (dizem eles) e, sobretudo, para haver uma melhor eficiência do próprio imposto. Por outras palavras, querem mexer no IVA para deixar uns quantos (poucos) produtos na taxa reduzida e empurrar todos os outros para a taxa máxima. O que se pretende (digo eu) é aumentar significativamente as receitas.
Mas o que me chamou mais a atenção foi a convicção do FMI de que alguns dos produtos e serviços actualmente sujeitos à taxa reduzida "não atingirem as necessidades básicas" e dá como exemplos os vinhos e os eventos culturais.
 
Tudo bem, os senhores da troika que remodelem lá o IVA como quiserem que nós aguentamos tudo e mais alguma coisa (como diz o outro, ai aguentamos mais, aguentamos ...) . Arranjem uma taxa mais alta para a cultura, se acharem bem mas, por favor, deixem o vinho na taxa mínima (e olhem que não estou só a pensar nos comerciantes e produtores de vinho, como é evidente). Se outra razão não tiverem, atendam, pelo menos, ao velho provérbio português "pobretes mas alegretes". Se é que os senhores da troika ouviram alguma vez falar disso ...
 



sexta-feira, janeiro 18, 2013

O funcionário invisível

 
Décadas passadas, continua a falar-se na reorganização do Estado. Sucessivos Governos de várias tendências, sucessivos grupos de trabalho, sucessivos debates de opinadores conceituados da nossa praça e nada. O Estado continua a ser o que sempre foi. Pesado e ineficiente. Pouco se tem alterado (apenas medidas avulsas para ocorrer a situações ocasionais). Alguns ainda tinham esperança neste Governo do PSD/CDS mas, de reorganização, apenas temos sentidos mais cortes nas prestações do Estado e um aumento inqualificável dos impostos.
 
Ainda não há muito, nem sequer se sabia qual o património imobiliário do Estado. Por isso achei perfeitamente plausível uma história que li na imprensa e que mostra bem a desorganização e a burocracia que continua a haver.
 
Partilho, então, a tal história:
 
"Durante 20 anos, as teias da burocracia permitiram que um funcionário do Ministério da Agricultura tenha recebido um salário mensal sem nunca ter estado no seu local de trabalho. A entidade patronal nunca o incomodou e ele, o "funcionário desconhecido", também nunca se incomodou. Certo é que o salário lá estava todos os meses.
Mas como foi isto possível? É que num universo que ultrapassa os 12 milhões de funcionários e com o peso da burocracia, foi possível que esta situação durasse por duas décadas. O dito funcionário que trabalhava no Instituto Nacional de Investigação Agrária, em Coruche (localidade onde também residia) um dia recebeu ordem de transferência para a coudelaria de Alter do Chão.
O tempo passou e 20 anos depois, em resultado de auditoria, concluiu-se que o "homem invisível" nunca tinha ocupado o seu novo posto de trabalho. Quando interrogado sobre o assunto, respondeu: "o carro que ficou de me vir buscar nunca apareceu". Daí que ...

Apetece-me perguntar:
- Como é possível que uma história como esta tenha conseguido sobreviver durante tanto tempo?
- Será que em duas décadas só houve uma auditoria ou, tendo havido várias, porque é que nunca conseguiram detectar o caso?
 



quinta-feira, janeiro 17, 2013

Esse grande actor chamado Paulo Futre ...

 
Numa mensagem deixada no Facebook e citada pelo Diário de Notícias a actriz e directora do teatro "A Barraca", Maria do Céu Guerra, criticou a escolha de Paulo Futre para a dobragem do filme "Hotel Transilvânia, que chegou recentemente às salas portuguesas.

Disse Maria Do Céu Guerra:

"Vi agora na Televisão que o Paulo Futre acaba de dobrar um filme para crianças .É extraordinário. Num país onde os actores profissionais precisam de contratos e de trabalho, qualquer pessoa que se notabilize em qualquer área pode substitui-los num trabalho que eles sabem fazer, estudaram e treinaram-se para isso e é a sua área profissional. A Lili Caneças já fez Tenessee Williams. Não sei quantas actrizes nesses meses estavam desempregadas. Ou a fazer papelinhos na TV para sobreviverem .Os ex-politicos ocupam cargos da área da Cultura, nas Fundações, etc., etc. Será que não há pessoas de Cultura para esses cargos? Por que é que um Reitor quando se reforma vai para casa e um banqueiro vai para administrador da Gulbenkian? Os criadores, os actores são uma espécie de ursos que vão para o circo presos por uma corda e quem ganha o dinheiro é o dono do circo, o dono do urso e o dono da corda. E se algum deles souber dar cambalhotas manda-o abater. Não será altura de dizermos que assim não vale. Eu estou farta. Não quero que nos dêem emprego, quero que não nos tirem os nossos."

Maria do Céu Guerra considera insultuosa a escolha do antigo jogador de futebol para este tipo de trabalho. Acolho a sua revolta como que um desabafo. Sentido e justo (digo eu). Mas que corresponde ao que acontece no dia-a-dia em muitas áreas de actividade. A sobrevivência a qualquer custo, o salve-se como puder. E, neste caso, Futre, mais uma vez aplicou o "drible" (desta vez não futebolístico) de que ele sempre foi um praticante exímio.
 



quarta-feira, janeiro 16, 2013

Pensões, reformas e frustrações ...

 
 
Diz quem sabe que o país está à beira da falência. Que não estamos na mesma situação da Grécia (é o que também dizem) mas que não andaremos muito longe disso (que também se ouve por aí). Como poupar dinheiro e reduzir custos? Onde é que o Governo pode "atacar" para ir buscar mais milhões? A receita é óbvia. Nos rendimentos do trabalho e ... nas pensões, com mais cortes e impostos. Aliás, é o que a generalidade dos países europeus estão a fazer para conter a despesa da Segurança Social: reduzir os montantes das pensões com novas fórmulas de cálculo, restringir o acesso a regimes de reforma antecipada e aumentar a idade de reforma. E, no caso de Portugal, as decisões têm que ser tomadas até Fevereiro. Tudo em nome da redução dos gastos com as pensões.
 
Admito que se trata de decisões difíceis de tomar. Mas em nome da tão falada equidade e da solidariedade para com os mais velhos, convém recordar três coisas:
- que em Portugal (que é o quinto país que mais gasta com pensões), quase 80% das pensões de antigos trabalhadores do sector privado são mais baixas do que 419 euros;
 
- que Portugal já é dos países europeus onde as pessoas saem mais tarde do mercado de trabalho. Mais tarde, ainda, do que os alemães ou que os finlandeses, países com regimes mais flexíveis de reformas antecipadas;
 
- que as regras que estavam em vigor quando se começou a trabalhar, se alteradas quando se aproxima o momento da reforma (quando não depois), frustram - e de que maneira - quem ao longo dos anos foi entregando os seus descontos ao Estado e criou justas expectativas numa reforma mais tranquila.
 
 



terça-feira, janeiro 15, 2013

Mais um dispensado


Depois de outros jornalistas e comentadores terem sido afastados das suas tribunas incómodas sem mais nem porquês, foi agora a vez de Alfredo Barroso ter sido "removido" da SIC-Notícias.

No último dia 4, em jeito de despedida, Alfredo Barroso no seu blogue "Traço Grosso", deixou a seguinte mensagem:


CAROS amigos (poucos), simpatizantes (alguns) e conhecidos (muitos),.
... .Cumpro o «doloroso dever» de participar – para gáudio de quem detesta as minhas opiniões e não me pode ver nem pintado – que fui, no dia 2, «removido», por telefone, do programa «Frente-a-Frente» da SIC Notícias, no qual participava desde o ano de 2004.

Digo «removido», porque me parece ser um bom compromisso entre o termo «dispensado» (politicamente correcto) e os termos «despedido» ou «corrido» (politicamente incorrectos). Justificações da «remoção»:

i) necessidade de «renovar» a lista de «paineleiros», naturalmente «remoçando-a» (presumo que um velho rezingão como eu será substituído por um daqueles moçoilos geniais que agora dirigem o PS);

ii) deixar de pagar as participações no «Frente-a-Frente» (150 euros cada uma), porque a SIC Notícias está paupérrima e passará a aceitar apenas «voluntários» (claro que tiveram o cuidado de não me perguntar se eu queria ser um deles…).
Terminam assim 17 anos consecutivos de colaboração com órgãos de comunicação social do grupo «Impresa»: oito anos e meio como cronista do EXPRESSO, de que fui removido no auge da invasão do Iraque; outros oito anos e meio como colaborador da SIC Notícias, de que fui removido no auge da «guerra» declarada há poucos dias pelo «megafone» de Vitor Gaspar, Pedro Passos Coelho. Suponho que é uma «guerra» contra a esmagadora maioria dos portugueses, que continuam a empanturrar-se de bifes todos os dias…

Mas é claro que não deixa de ser exaltante imaginar a satisfação que esta notícia irá causar em figuras tão proeminentes como a augusta vice-presidente (da AR) Teresa Caeiro, o austero advogado José Luís Arnaut ou o venerável empresário Ângelo Correia – que se recusavam a enfrentar-me há já alguns meses com o beneplácito dos responsáveis pelo programa.
Não ignoro, todavia, que o gáudio não se confina ao chamado «arco do poder», nos seus três tons habituais: cor de laranja azeda, azul cueca e cor-de-rosa fanada. Também vai entrar de roldão em alguns órgãos de comunicação social do regime, politicamente correctos, onde não faltam opinadores tão chatos ou peneirentos como «intocáveis», e digníssimos «pilares» do status quo que não apreciam dissidências políticas nem franco-atiradores (a não ser quando haja escândalo que aumente as audiências e/ou os leitores).

A única coisa que se me oferece dizer, sem me rir, neste momento, é a seguinte: quando se perde poder ou a aparência dele, por mais ínfimo que seja; quando não se tem a protecção de um partido, ou de uma «igreja», ou de uma associação «cívica» semi-clandestina, ou de um grupo de pressão, ou de um «sacristão», ou de um «patrão», ou de um «padrinho», etc., etc., etc. – o «lonesome cowboy» escusa de armar ao pingarelho, e não tem outro remédio se não o de meter a viola no saco e ir para a caça aos gambozinos.


Saudações democráticas,

Alfredo Barroso"
 

Como se costuma dizer, "não acredito em bruxas, pero que las ay, las ay"!

Pelo que, os que não são politicamente correctos (os ditos não "alinhados") e que querem continuar a defender as suas ideias (com coragem e determinação), correm sempre o risco de um dia vir a ser removidos, dispensados ou despedidos.

 

segunda-feira, janeiro 14, 2013

O Relatório do FMI

 
Todos sabemos que o país está numa situação muito difícil e que os portugueses estão a viver (sem esperança) no limite do suportável.
 
Porém, qual D. Sebastião (cujo regresso muitos portugueses continuam a desejar), foi agora conhecido um relatório elaborado pelo FMI (certamente encomendado pelo nosso Governo) que propõe, entre outras coisas, um corte de até 20% nas pensões e uma redução permanente de até 7% nos salários da Função Pública, bem como a dispensa de 50 mil professores. Nada de muito grave, portanto, e tudo em nome do famigerado corte dos 4 mil milhões na despesa do Estado.
 
Claro que o secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, Carlos Moedas (parte activa da trupe composta por Vítor Gaspar, Miguel Relvas e Passos Coelho), aplaudiu o trabalho, dele dizendo que estava muito bem feito ("um relatório muito completo, muito bem feito, muito trabalhado") e que o Governo não descartava a aplicação de nenhuma dessas medidas. Para que conste!
 
Mas o relatório em inglês (nem sequer houve a consideração de apresentar uma versão em português), para além do rude golpe que - a ser aplicado - irá provocar nas vidas de milhares de cidadãos, suscita-nos muitas dúvidas, sobretudo porque é elaborado por um organismo (o FMI) que já reconheceu ter-se enganado nas previsões dos efeitos das medidas de austeridade.
 
Dúvidas e críticas que, aliás, temos ouvido a outras pessoas que fazem parte do próprio Governo. "o FMI partiu de premissas erradas para elaborar a receita" (Ministro Pedro Mota Soares) ou "o relatório do FMI tem coisas boas, coisas discutíveis e outras inaceitáveis" (Ministro Paulo Portas).
 
Contudo, para mim, o dito "relatório técnico" não passa de um conjunto de propostas políticas de matriz ideológica que visam atingir determinadas metas. Que são, objectivamente, conseguir o dinheiro que o Governo necessita.

 

sexta-feira, janeiro 11, 2013

Banif - a pergunta estúpida


Quando se soube que o Estado ia injectar 1 100 milhões de euros no Banif, esse enorme banco nacional que representa uma quota de mercado que não chega aos 4%, não pude deixar de recordar uma história divertida do saudoso Mário-Henrique Leiria:


"Telefonaram-lhe para casa e perguntaram-lhe se estava em casa.

Foi então que deu pelo facto. Realmente tinha morrido havia já dezassete dias.

Por vezes as perguntas estúpidas são de extrema utilidade".


Pois é, só que com o caso do Banif tudo é a sério e o assunto é grave. São mais 1 100 milhões de euros que saem dos nossos bolsos, mais uma vez para financiar a banca privada.

 
Ao contrário do que acontece com qualquer empresa vulgar que o Estado deixa falir (paciência, foi mal gerida, não era rentável, fechou as portas), para com a Banca há sempre um cuidado especial em apoiá-la. Lá se conseguem uns quantos milhões, nem que para isso sejam necessários mais impostos ou cortes nas prestações sociais. E todos nós assistimos a mais esta obscenidade, contra a qual apenas nos podemos revoltar e, quando muito, lançar a pergunta, tão estúpida quanto aquela do conto do Mário-Henrique Leiria:


Então o Passos Coelho queria privatizar a Caixa Geral de Depósitos porque o Estado não sabia gerir a Banca e vai agora comprar uma posição accionista de 99,2% de um banco privado para o Estado gerir? Em que ficamos? A pergunta pode ser estúpida, só não sei se tem alguma utilidade.

 

quinta-feira, janeiro 10, 2013

No país dos "semis"

 
Como se esperava o Presidente da República promulgou a Lei do Orçamento de Estado para 2013 e confirmou que vai pedir a fiscalização sucessiva do OE. Mas não foi o único. Também a oposição em peso já o fez, assim como o Provedor de Justiça. Como se vê, tem sido uma correria desenfreada ao pedido de fiscalização do TC, o que mostra bem a forma como o OE foi elaborado.
Cavaco Silva pede, então, ao Tribunal Constitucional essa fiscalização por ter “fundadas dúvidas sobre a justiça dos sacrifícios”. Estas dúvidas referem-se à "suspensão do pagamento do subsídio de férias", à "suspensão do pagamento do subsídio de férias de aposentados e reformados", e à "contribuição extraordinária de solidariedade".
E aqui questionam-se duas coisas:
- Cavaco só teve realmente dúvidas sobre estas três normas e deixou de lado algumas outras que, quase de certeza, serão igualmente inconstitucionais?
- E, se tinha fundadas dúvidas, porque razão (substantiva e compreensível) promulgou o OE, podendo ter decidido de outra forma e com aparentes vantagens?

Agora é esperar. Vai demorar uns meses até que se saiba o que pensa o Tribunal Constitucional. O pior que pode acontecer é o TC concluir que o Orçamento, ou alguns dos seus artigos são inconstitucionais. E o que acontecerá? Provavelmente o que aconteceu em 2012 quando considerou que o OE era inconstitucional mas, devido ao adiantado do ano, tudo ficou como o proposto. Ou seja, tivemos um Orçamento que não respeitou a Constituição. E este ano, certamente, a cena vai repetir-se.
A bem dizer, neste país "sui generis" começamos a habituar-nos à ideia de que a Constituição se cumpra durante uns meses e não se cumpra durante outros. Por outras palavras, Portugal "inventou" uma forma de viver em "semi-Constituição", em "semi-legalidade", em "semi-Estado de direito". O que não é, de todo, descabido num país em que a Constituição consagra um regime "semipresidencialista".
 
 

terça-feira, janeiro 08, 2013

"Quase"

Já estamos em 2013 e, embora tenhamos sobrevivido ao anunciado fim do mundo, tenho sérias dúvidas sobre como iremos aguentar o que se adivinha (!!!) neste novo ano. Mas como não quero parecer demasiado pessimista (ainda que o esteja), prefiro lembrar a poesia "Quase" de Mário de Sá-Carneiro. Recordam-se de como começa?

"Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém... "

Pois este "Quase" do poeta, bem poderia aplicar-se ao Ministro das Finanças de Portugal. É que Vítor Gaspar afirmou recentemente que "quase" acertou nas suas previsões para 2012, embora eu ache que Gaspar e o Governo que comanda falharam em todas. Nas receitas fiscais, no desemprego, no défice e nas demais. E perante este falhanço colossal (uma palavra tão cara a Gaspar) a "receita salvadora" que se espera para este ano é a ... mesma. Mais e mais austeridade, quando já se viu que a austeridade que nos esmagou em 2012 não foi solução para nada e só tem agravado os problemas, com resultados sempre piores do que os anteriores.

Perante a demonstração dos números, Vítor Gaspar disse "Nunca fui candidato ao lugar de produtor infalível de previsões". Mas isso não nos descansa. Gostaríamos de sentir que tanto esforço dos portugueses iria, de facto, traduzir-se numa mudança de ciclo. Mas nem essa esperança temos já. O "quase" acertar do Ministro é nada. Prefiro o "Quase" de Mário de Sá-Carneiro.

 

segunda-feira, janeiro 07, 2013

"Resgate"

 
 
O que de melhor poderíamos desejar para este início de 2013, neste recomeço dos nossos encontros aqui no "Por Linhas Tortas", que um poema inédito (datado de 23.12.2012) de Manuel Alegre?
 
de Manuel Alegre,
 
"Resgate"

Há qualquer coisa aqui de que não gostam
da terra das pessoas ou talvez
deles próprios
cortam isto e aquilo e sobretudo
cortam em nós
culpados sem sabermos de quê
transformados em números estatísticas
défices de vida e de sonho
dívida pública dívida
de alma
há qualquer coisa em nós de que não gostam
talvez o riso esse
desperdício.
Trazem palavras de outra língua
e quando falam a boca não tem lábios
trazem sermões e regras e dias sem futuro
nós pecadores do Sul nos confessamos
amamos a terra o vinho o sol o mar
amamos o amor e não pedimos desculpa.

Por isso podem cortar
punir
tirar a música às vogais
recrutar quem vos sirva
não podem cortar o verão
nem o azul que mora
aqui
não podem cortar quem somos.