segunda-feira, outubro 29, 2007

Estrela do Mar


Há um bom par de anos estive em serviço com mais dois colegas no sul do país. Durante três semanas fazíamos cerca de cinquenta quilómetros por uma estrada sinuosa através da serra para chegar ao local de trabalho e, à tarde, voltávamos ao hotel onde estávamos instalados, pela mesmas curvas e contracurvas que já tínhamos enfrentado pela manhã.

Depois de um dia de trabalho e de ter cumprido mais de cem quilómetros a ziguezaguear pelas estradas desenhadas aos esses, sabia-nos bem chegar, tomar um banho recuperador e sair para beber algo fresco antes do jantar.

Num belo dia assentámos arraiais numa pastelaria do sotavento algarvio. Tinha sido um dia de calor forte, de muito trabalho (aqui está mais um dos que diz que se farta de trabalhar, pensarão) mas, apesar de tudo, estávamos bem dispostos.

E de tão bem disposto que estava, encomendei ao empregado que nos atendera três imperiais e um Sinatra. O pedido, confesso, foi feito com uma certa ironia, talvez, reconheço-o hoje, com um tom de ironia excessiva, a rondar o gozo.

Eu tinha pedido um Sinatra mas o que eu queria, naturalmente, era ouvir o Frank Sinatra cantar naquele fim de tarde. E, com aquele pedido estranho, no mínimo, eu esperava que o empregado ficasse pelo menos em estado de choque e com uma tremenda cara de parvo, por não fazer ideia se eu estava a pedir uma bebida exótica ou uma outra coisa qualquer.

Palermices de um lisboeta que se julgava mais esperto do que os outros.

Pois a cara de parvo foi inteiramente a minha quando, ao mesmo tempo que nos serviram as imperiais, fez-se ouvir através da instalação sonora da casa, a voz melodiosa e inconfundível do Frank Sinatra, ainda por cima cantando “My Way”, um dos meus temas preferidos.

A história não passa de uma recordação de outros tempos. Hoje lembro-a, apenas, porque ela foi importante na minha formação futura, enquanto homem.




Tantos anos depois e também no Algarve (agora para os lados do Barlavento) dou de caras com uma pastelaria que se chamava “Estrela do Mar”.

Irresistivelmente entrei, sentei-me e pedi uma bebida à empregada que me atendeu, ao mesmo tempo que lhe dizia “Sabe, o seu estabelecimento tem o nome de uma canção do Jorge Palma”.

“De quem?” perguntou a moça, completamente a leste do que eu estava a dizer. Disfarcei e não lhe respondi. Mas não pude deixar de pensar que o mínimo que eu podia esperar numa pastelaria que se chamava “Estrela do Mar”, era ouvir, em fundo, a voz do Jorge cantar uma canção tão bela e tão inspirada como a que ele compora uns anos antes, com esse mesmo título, e de que agora recordo os seus versos.

“Estrela do Mar”
____________________
“Numa noite em que o céu tinha um brilho mais forte
e em que o sono parecia disposto a não vir
fui estender-me na praia sozinho ao relento
e ali longe do tempo acabei por dormir
___________________________
Acordei com o toque suave de um beijo
e uma cara sardenta encheu-me o olhar
ainda meio a sonhar perguntei-lhe quem era
ela riu-se e disse baixinho: estrela do mar
__________________________
Sou a estrela do mar
só a ele obedeço, só ele me conhece
só ele sabe quem sou no princípio e no fim
só a ele sou fiel e é ele quem me protege
quando alguém quer à forçaser dono de mim
_______________________
Não sei se era maior o desejo ou o espanto
mas sei que por instantes deixei de pensar
uma chama invisível incendiou-me o peito
qualquer coisa impossível fez-me acreditar
________________________
Em silêncio trocámos segredos e abraços
inscrevemos no espaço um novo alfabeto
já passaram mil anos sobre o nosso encontro
mas mil anos são pouco ou nada para a estrela do mar”

Mas, para que não fiquemos apenas pelos versos, convido-os a assistir a um vídeo (embora de fraca qualidade) de cerca de 4,13 m, onde podem ouvir o Jorge Palma a cantar ao vivo a “Estrela do Mar”

http://www.youtube.com/watch?v=f_GR8r9h7PQ&mode=related&search=


domingo, outubro 28, 2007

"Knojo!" de exposição


Se julgava que já tinha visto tudo de belo, de horrível ou de diferente, então desengane-se, porque, a partir de agora e até 24 de Agosto do próximo ano, poderá assistir no Pavilhão do Conhecimento, no Parque das Nações, em Lisboa, uma exposição completamente distinta de tudo o que viu até hoje. Uma exposição que se situa entre o repugnante e o divertido.

Já pensou, por acaso, porque é que certos gases que expelimos são tão mal cheirosos? Ou, no que causa o vómito ou o mau hálito? Essas e outras respostas podem ser encontradas nesta exposição, onde o visitante observa a formação de fluídos corporais como o cuspo, o ranho, o vómito e o suor, bem como a forma de os evitar, através de cuidados de higiene básico, como assoar o nariz e lavar as mãos.

E como o dia estará provavelmente reservado a "coisas nojentas", o Pavilhão do Conhecimento preparou vários "ateliers", especialmente pensados para os alunos de várias escolas que irão visitar a exposição. Descobrir que a digestão começa com o cuspo, fabricar uma substância muito parecida com o ranho ou provocar um arroto com substâncias químicas, são apenas alguns dos exemplos. Os mais corajosos poderão
mesmo a tentar identificar quatro cheiros diferentes não muito recomendáveis - boca, axilas, ânus e pés - e, ao que parece, esses cheiros são mesmo muito reais.

E não achará interessante saber o que provoca o mau hálito e o suor, e o que faz com que tenhamos barulhos estranhos do estômago ou porque se formam os "macacos do nariz"?
Bastante pedagógica é ainda a máquina dos gases intestinais, em que se percebe que os sons da aerofagia rectal - os 'puns' para as crianças, e não só - dependem do formato de cada anus.

De tudo isto e o mais que por lá encontrará, esta é, certamente, uma exposição que, apesar dos aspectos nojentos, aborda assuntos sérios e de forma séria e frontal.

E foi precisamente a frontalidade, a característica da exposição que o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, que inaugurou esta exposição, mais elogiou.

“Knojo!” – assim se chama a exposição - permite-nos, disse ainda o ministro, fazer o exorcismo das questões reprimidas desde criança e é capaz de não ultrapassar a fronteira entre o mau gosto e o que pode ser objecto de curiosidade”. Mariano Gago acrescentou, ainda, que “a linha entre a vulgaridade e o génio é muito ténue” e brincou dizendo que “há coisas mais nojentas dentro do cérebro de muitas pessoas do que o que está na exposição”.

De qualquer forma, esta é uma exposição a não perder, apesar de ser um tanto ou quanto nojenta!

sexta-feira, outubro 26, 2007

Um homem dentro de um carro - parte II


… a determinada altura, alguém se aproximou do carro sem fazer ruído e tocou ao de leve no braço do homem, que continuava pousado na janela, completamente aberta.
O homem, deixou de olhar em frente e virando bruscamente a cabeça fixou o rosto de quem tinha vindo perturbar-lhe aquela tranquilidade aparente. A expressão, já de si muito fechada, tornou-se dura e o esgar que lhe perpassou pelo rosto mostrou bem o seu desagrado.
o-o-o-o-o


A muitos quilómetros dali, numa pequena vila chamada S. Bernardo do Outeiro, naquele mesmo instante, um outro homem – Justino do Ó Salgado – conduzia o seu carro quando sentiu um ligeiro arrepio a subir pelas costas. Não soube ao certo que sensação fora aquela, mas sabia que aquele calafrio o deixara indisposto e, sobretudo, apreensivo. O que se teria passado?
Parou o carro, saiu e dirigiu-se à pequena pastelaria que se encontrava na esquina que dava para a praça central da vila. Ao entrar, mirou-se num espelho que estava mesmo à entrada e tentou perceber se aquele mau estar lhe tinha provocado algum efeito visível na sua expressão. Tinha, tinha de facto carregado ainda mais as rugas da testa que, até ali, não passavam de umas simples rugas de expressão.
Chegou-se perto do balcão e falou em voz baixa com a empregada, que prontamente o atendeu. Chamava-se Marina, era uma jovem bonita e vistosa, de tez morena e cabelos longos e sedosos, talvez demasiadamente longos.
Conversaram durante alguns minutos, olhando frequentemente para a porta da pastelaria e para a vidraça que acompanhava integralmente um dos lados da casa e por onde se podia admirar a praça em toda a sua extensão. Pareciam recear estar a ser observados.
Justino pediu o telefone que pousava ao fundo do balcão, discou rapidamente um número e ficou a aguardar a ligação. Ninguém atendeu.
Voltou a marcar o número ainda mais duas vezes e nada. O olhar reflectia a preocupação e via-se que estava muito ansioso.
Chamou, de novo, por Marina, que acorreu de pronto, sempre com aquele seu ar alegre e brejeiro a que a juventude conferia um toque muito especial.
Conversaram mais uns breves segundos e quando se despediram, Marina deu dois beijos na cara de Justino que, apressado, saiu da pastelaria e rumou direito ao carro.


o-o-o-o-o


Algum tempo depois, soube por um vizinho meu, um senhor que anda sempre na rua a passear o cão, uma daquelas pessoas que está atenta a tudo o que por aqui se passa, que sabe, inclusive, quem são as pessoas que aqui moram e o que fazem, que chega a saber pormenores familiares dos que cá vivem, como as doenças de que padecem ou, até, os desentendimentos que desabam sobre as famílias e que já deram origem a alguns divórcios.
O meu vizinho, um reformado bancário, antigo delegado sindical e ex-revolucionário saudosista, é daquelas pessoas a quem recorremos quando temos curiosidade em saber o que se passa com certo morador ou de quem é determinado carro. Por isso, ele pertence àquela classe de criaturas que dá sempre jeito ter à mão na nossa rua.

Mas dizia eu que esse vizinho confidenciou-me que o tal senhor que eu via frequentemente dentro do carro, se chamava Manuel do Ó Salgado, era reformado da CP há alguns anos e que morava numa das ruas próximas.

Não consegui perceber quem é que tentara falar com o Manuel do Ó, mas pareceu-me, pela compleição e pelo trajar, que seria uma pessoa bastante jovem.O que reparei, isso sim, é que o Manuel mal se sentira tocado no braço, olhou instintivamente para o relógio, gesto esse que me levou, também, a olhar para as horas.

Pouco passava das onze e meia da manhã ...

quinta-feira, outubro 25, 2007

A política ao serviço dos cidadãos


Medidas do tipo da que, agora, foi levada a cabo pela Câmara Municipal de Mora, correspondem ao que eu sempre desejei ver na política. Ou seja, sempre acreditei que as necessidades dos cidadãos, pelo menos as mais básicas, poderiam ser satisfeitas com brevidade, desde que houvesse uma forte vontade de as resolver por parte de quem nos governa, central ou localmente.

Mas, em vez disso, assiste-se a quê? À constituição de inúmeros grupos de trabalho para estudar montanhas e montanhas de projectos, pensados e assessorados por miríades de técnicos e especialistas, que são desenvolvidos ao longo de anos, para que um dia, enfim, possam vir a ser implementados, muitas vezes quando já não são necessários ou até quando já estão desactualizados.

Tudo isto quando seria muito mais simples optar por medidas práticas e directas que conseguissem ajudar as populações, sobretudo as mais necessitadas.

E foi com este espírito simples e prático que a Câmara de Mora lançou a “Oficina Domiciliária”, projecto dedicado aos idosos do concelho com reformas inferiores a 350 euros, para poderem aceder aos serviços da autarquia em pequenas obras e reparações domésticas.

Vêem como se consegue fazer muito, para muitos e com custos tão reduzidos?

Um bom exemplo de como se pode pôr a política ao serviço dos cidadãos.

terça-feira, outubro 23, 2007

Dois milhões de pobres em Portugal

Para responder à questão (e à dúvida) que o nosso companheiro “porcos no espaço” colocou no comentário que fez ao meu último post, e que, decerto, é partilhada por muita gente, decidi voltar ao assunto.


Para começar, direi que será interessante ler uma notícia, intitulada “O Banco de Isabel Jonet”, que o Nicolau Santos escreveu no Expresso do passado sábado e que passo a transcrever:

“É porque existem dois milhões de portugueses a viver abaixo do limiar da pobreza que é necessário o Banco Alimentar contra a Fome – e, desde esta semana, o Banco de Bens Doados. É porque o Estado não tem capacidade para resolver esta chaga social que são necessárias pessoas como Isabel Jonet e a sua equipa, que fazem um notável trabalho para minorar a fome e as carências destes portugueses. E a mensagem que Isabel nos passa é que a sociedade civil tem que se envolver neste esforço – porque os nossos filhos não vão querer viver e trabalhar num país violentamente desigual”.


Acrescentarei, também, que será igualmente interessante ler uma outra notícia, intitulada “Banco de Bens Doados beneficia 80 mil”, que veio igualmente publicada no último Expresso, e que diz o seguinte:

O banco de Bens Doados, um projecto criado pela Entrajuda – uma associação inspirada no projecto do Banco Alimentar Contra a Fome – vai fazer chegar a mais de 500 instituições de solidariedade roupas, material informático, cadeiras, mesas, entre outros bens não alimentares. Oitenta mil pessoas carenciadas serão beneficiadas com esta iniciativa apadrinhada com a presença do Presidente da República, Cavaco Silva. O BES é o principal parceiro deste projecto cuja finalidade é dar utilidade a bens que deixam de ter valor para as empresas e particulares”.



Tenho esperança que estes dois textos já tenham dissipado algumas das vossas incertezas. No entanto, gostaria ainda de acrescentar o seguinte:

- O Estado, como dizia o Nicolau Santos, não tem capacidade para resolver sozinho o problema da pobreza que constitui uma imensa chaga social que nos envergonha. Por isso, necessita tanto das instituições que realizam o imenso trabalho de ajuda e de apoio sistematizado que levam aos mais desfavorecidos. Nem sei mesmo o que aconteceria, se o Estado não pudesse contar com o apoio esforçado e continuado de todas as ONG e dos seus voluntários, que trabalham nesta área social.

- No artigo que escrevi e em que me referia aos dois milhões de pobres em Portugal, naturalmente que estava a pensar apenas naqueles cujos rendimentos são insuficientes para viver com dignidade - os considerados pobres ou em vias de se tornarem pobres.

Mas há todos os outros, que por não terem acesso à formação e à infomação, por serem info-excluídos, são igualmente considerados pobres neste mundo globalizado em que vivemos.

Daí que todos os apoios prestados pelo Banco Alimentar Contra a Fome, pela Entrajuda e por inúmeras organizações que combatem conjuntamente estes flagelos, com o mesmo ideal comum, serem de extrema importância na ajuda à erradicação da pobreza, nas suas várias vertentes, e à exclusão social.

- Mas então, “o que é que podemos fazer concretamente?”

A mente humana não tem limites e, cada um, saberá como “inventar” a melhor forma de ajudar, aquela em que se sinta mais confortável.

Tendo presente que um dos lemas que devemos interiorizar é “o combate ao desperdício”, poderemos, por exemplo, ajudar financeiramente ou com produtos, alimentares ou não, as diversas instituições que consideramos mais credíveis.

Mas para além disso, poderemos voluntariar-nos nessas instituições, contribuindo com o nosso trabalho, com aquilo que sabemos fazer, em prol de quem está mais necessitado. Nas ONG, nas instituições de solidariedade social por elas apoiadas ou directamente junto das pessoas mais carenciadas.

Há um mundo de trabalho para fazer. E, o que eu sugiro, é que, uma vez sentida a vontade de ajudar, de ser verdadeiramente solidário, devem contactar uma das ONG e, de peito feito, oferecer a vossa disponibilidade.

Acreditem que a reponsabilidade social das empresas e da dita sociedade civil não é mais um chavão para impressionar. Todos devemos ser efectivamente solidários para que, e evocando de novo o Nicolau Santos, “os nossos filhos não desistam de viver e trabalhar num país violentamente desigual”.

Uma Vergonha


Num país que fez uma revolução há mais de 30 anos e que, supostamente, se destinava a devolver as liberdades aos cidadãos e a dar melhores condições de vida à população, num país que se integra no clube dos países mais ricos da Europa (embora dos mais pobres), é vergonhoso que em pleno século XXI, um quinto dos portugueses (sobre)viva com menos de 360 euros por mês.

Cerca de 32% da população activa entre os 16 e os 34 anos seria pobre, efectivamente, se dependesse só do seu trabalho.

De acordo com as estatísticas publicadas pelo INE referente a 2005, sem as pensões de reforma e as transferências sociais do Estado, mais de quatro milhões de portugueses estariam em risco de pobreza.

E, como, infelizmente, já referi aqui noutras alturas, continuam a registar-se assimetrias entre os que mais ganham e o que menos recebem e que são as maiores da Europa comunitária. De facto, o fosso entre pobres e ricos em Portugal é o maior no conjunto dos países da União Europeia. O rendimento dos dois milhões de portugueses mais ricos do país é quase sete vezes maior do que o rendimento dos dois milhões de pessoas mais pobres.

Segundo o presidente da AMI, doutor Fernando Nobre, a situação é alarmante”, uma vez que no último ano, os cem portugueses mais ricos viram a sua fortuna aumentar cerca de um terço (33%), quando a média da população portuguesa só conseguiu aumentar o seu rendimento em cerca de 2% ou 2,5%”.

E, como se sabe, quanto maior é a desigualdade de um país, menor é o seu índice de desenvolvimento.


Existem, portanto, cerca de dois milhões de residentes em Portugal que são pobres ou em vias de se tornarem pobres e o país está entre os dez mais com maior risco de pobreza da UE.
É um número que deveria envergonhar-nos.

O relatório do Instituto Nacional de Estatística é taxativo: Portugal faz parte da lista negra dos países com uma taxa de pobreza superior à média europeia, que é de 16%. A lista dos Estados com maior risco de pobreza é liderada pela Polónia e pelos três países bálticos – Estónia, Letónia e Lituânia - com valores entre os 18 e os 21%. Seguem-se Espanha, Grécia e Irlanda com um quinto da população em risco de pobreza e Portugal e Reino Unido, com uma taxa de limiar de pobreza de 19% e 18%, respectivamente. Os países com menos pessoas em risco de pobreza são naturalmente os escandinavos (Suécia, Finlândia e Dinamarca), a República Checa e a Eslováquia.
Falar sobre a pobreza é incómodo, triste e cansativo mas, apesar de tudo, insisto que são números que nos devem fazer reflectir!

Dois milhões de pobres em Portugal.
Que sociedade é esta, onde está a justiça?
É chocante e vergonhoso!

segunda-feira, outubro 22, 2007

Preconceito


O Nobel da Medicina de 1962, o americano James Watson, disse publicamente acreditar que “os brancos são mais inteligentes que os negros”.


Esta declaração que, obviamente me deixou chocado, é bombástica, polémica e extremamente injusta e foi, de imediato, repudiada e considerada pela comunidade científica como “racista”.


A inteligência, a sensibilidade e as mais diferentes e diversas capacidades não são, seguramente, atributos que possam dizer-se como pertencentes unicamente a uma determinada raça.


E, porque declarações como essa, além de infundadas, não têm qualquer suporte científico ou credível – e a prová-lo - leiam um “pensamento escrito por uma criança africana”, uma criança negra e incógnita, pensamento que li algures e que mostra bem, em forma de poema, a sensibilidade dessa criança ... negra.





Quando eu nasci, era preto,
Quando cresci, era preto,
Quando me exponho ao sol, fico preto,
Quando sinto frio, continuo preto.

Quando estou assustado, também fico preto,
Quando estou doente, estou preto,
E, quando eu morrer, continuarei preto!



E você, que é branco,
Quando nasce, você é rosa,
Quando cresce, você é branco,
Quando apanha sol, fica vermelho,

Quando sente frio, fica roxo,
Quando se assusta, fica amarelo,
Quando está doente, fica verde,
E, quando morrer, ficará cinzento!


E é você, que me chama de “homem de cor?”


sexta-feira, outubro 19, 2007

Um homem dentro de um carro


Provavelmente já me tinha apercebido da situação, mas, confesso, que não lhe atribuí grande importância. A minha mulher (nestas coisas as mulheres são mais atentas), chamou-me a atenção de que havia na rua um homem que estava todos os dias, e uma boa parte do dia, encafuado no automóvel, a fazer, aparentemente, nada e, isso, não era normal.

Comecei, então, a prestar mais atenção ao facto e, na verdade, constatei que o senhor, homem dos seus sessenta e muitos, setenta anos, estava sentado no banco do condutor todo o santo dia, independentemente do calor que, em certas alturas, deveria ser intenso.

O senhor, de cabelo totalmente grisalho, tinha bom aspecto e vestia, por norma, camisa às riscas com os dois primeiros botões de cima desapertados. Parecia estar confortavelmente sentado e o seu braço esquerdo repousava invariavelmente na janela aberta.

Uma das vezes surpreendi-o a sair do carro para vestir um pulóver mas imediatamente voltou à sua posição de sempre. Sentado, olhando em frente e com o braço assente na janela aberta.

O que me intrigava, e à minha mulher também, era o que é que ele ali estava a fazer horas e horas.

A primeira coisa que me ocorreu é que ele ia para dentro do carro porque queria ouvir os relatos de futebol, coisa que em casa já o teriam proibido. Mas, pensando bem, aos dias de semana, sobretudo de manhã e à tarde, não há relatos de futebol.

Depois, pensei que ele poderia muito bem ser um apaixonado por música erudita. Embora não me parecesse assim à primeira vista que ele pudesse gostar assim tanto de música clássica, enfim, quem vê caras ... Mas não, quem gosta verdadeiramente de música, sobretudo da clássica, gosta de ouvi-la bem alta, como se estivesse no meio da orquestra ou junto do instrumento que toca a solo. Não, a expressão dele não mostrava nenhum prazer especial e, por outro lado, não se ouvia um som que fosse, saindo da janela que estava aberta e onde ele pousava o braço.

Conjecturei, então, que a sua casa fosse pequena e que, porventura, a sogra os tivesse vindo visitar, e ele para que a esposa e a mãe pudessem pôr a conversa em dia, saísse delicadamente para as deixar à vontade.

Havia ainda a possibilidade de ele viver sozinho e, face á solidão, tivesse optado por passar os dias no carro para se distrair com as pessoas que passavam e com o movimento da rua.

De vez em quando, deixava os meus afazeres caseiros e vinha “cuscar” o homem, saber se havia alguma novidade, mas o que eu queria, sobretudo, era tentar desvendar porque razão ele permanecia ali enclausurado sem motivo aparente.

Cheguei mesmo a desconfiar que ele estava a espiar alguém ou alguma casa. Disparate, tratei logo de afastar essa ideia, se bem que, de facto, isso até podia acontecer ...

Até que, desesperado por não ter conseguido ainda arranjar uma justificação minimamente aceitável, achei que, no mínimo, poderia concluir que o homem estava dentro do carro tantas horas seguidas, de janela aberta e com braço ali pousado, apenas, apenas e só, porque amava o seu carro acima de tudo e o seu prazer máximo era o de estar simplesmente sentado no seu interior.

Uma análise demasiado simplista? Talvez, mas a verdade é que acabei de espreitar para a rua, e lá está ele. O homem continua dentro do carro, olhando em frente e sempre com o braço esquerdo pousado na janela totalmente aberta!



quinta-feira, outubro 18, 2007

"A democracia é uma festa"


Já aqui tenho manifestado a minha preocupação pelos sinais que vão aparecendo na nossa sociedade e que revelam uma certa tendência para cercear liberdades fundamentais dos cidadãos, liberdades essas que são pilares da democracia, nomeadamente a liberdade de expressão.

Embora esses sinais sejam reais e tenham vindo a aumentar, gostaria de continuar a pensar, sob pena de me considerarem um tanto ou quanto ingénuo, que eles são fruto dos pequenos poderes que querem mostrar serviço e não que sejam veiculados do poder central.


Vem isto a propósito da visita de dois polícias que “se lembraram” de aparecer na sede do sindicato dos professores da região centro, em vésperas do primeiro-ministro José Sócrates se deslocar à Covilhã.


E a pergunta mais imediata que me ocorre é “o que foram fazer os dois PSP à paisana à sede do sindicato?”

Várias são as respostas possíveis:

- Segundo a Senhora Governadora Civil de Castelo Branco “os polícias iam à Câmara e, pelo caminho, passaram pelo sindicato”.

- Os polícias eram um bocado “cuscas” e, como estavam cheios de curiosidade em saber como o povo iria receber um ilustre filho da terra que até era primeiro-ministro, trataram de ir ao encontro das novidades à sede do sindicato dos professores, uma vez que, estes, estão geralmente bem informados.

- Porque na Covilhã toda a gente se conhece, os polícias decidiram passar pelo sindicato para beber um café, uma vez que a máquina lá da esquadra tinha pifado.

- A visita dos polícias nada tem de anormal porque o procedimento agora usado sempre se tem feito e até pelo telefone.


Como vêm existem múltiplas explicações para um caso que tem feito tanto ruído e, ao que parece, afinal, nada tem de especial. O que deve ter conduzido, aliás, a que o inquérito levado a cabo pelo MAI fosse arquivado “por não terem sido detectados indícios de infracção disciplinar”.

Com todas as (possíveis) explicações encontradas e ainda com o facto do processo ter sido arquivado, não vejo quaisquer motivos para que fiquemos sobressaltados. Sobretudo porque a Senhora Governadora Civil de Castelo Branco nos garantiu que “os polícias apenas tinham ido à Câmara e, portanto, nada mais natural de que, pelo caminho, pararem no sindicato dos professores”. Mais convincente do que isto é impossível...


O certo, porém, é que a chegada de José Sócrates à Covilhã foi bastante animada pelo som das músicas revolucionárias do tempo do PREC, cantadas por José Afonso, José Mário Branco e outros, pelas vaias, apupos e insultos dirigidas ao primeiro-ministro, pelo agitar das bandeiras todas vermelhas e pelas palavras de ordem gritadas a plenos pulmões, acompanhadas por silvos e apitos trazidos pelos manifestantes.

E a provar que em democracia enquanto uns apupam, outros aplaudem, quando Sócrates saiu da escola, onde antes de entrar ele ouvira assobios e vaias, agora à saída, foi obsequiado com aplausos e muitas palmadas nas costas.


Como se vê e como disse José Sócrates na altura, a “democracia é uma festa”!

terça-feira, outubro 16, 2007

A lei que faz falta ...


Para que conste, nunca fui um político encartado, dos muitos que vivem de e para a política e que jamais exerceram outra profissão. E, claro está, que esses políticos, quando chega a hora de sair, é natural que, por falta de uma profissão de base, sintam algumas dificuldades em sobreviver e, por isso, vão arrastando a decisão e vão ficando, ficando, ficando ...

Mas nem todos sentem essas dificuldades porque, obviamente, há excepções (e bastantes), e todos sabemos que uma boa parte desses políticos que já foram deputados e ministros, quando largam a política, não têm que se preocupar minimamente com o seu futuro porque já lhes foi assegurado um lugar num qualquer conselho de administração, com um salário confortável a condizer.

Que me lembre, foi assim com Armando Vara, com Fernando Gomes e com Celeste Cardona, entre muitos outros e ao longo dos tempos.


Mas mentiria se não confessasse que gostaria de ter tido poder por algum tempo, pelo menos o tempo suficiente para que pudessem ser aprovadas umas quantas leis que continuam a faltar, permitindo que certas situações escandalosas se continuem a verificar.

E uma dessas leis que teimam em faltar tem a ver com a desejada impossibilidade de um ministro que tutela determinada empresa, venha a ser mais tarde, quando sai do governo, presidente ou vogal do conselho de administração dessa mesma empresa.

Penso que todos recordarão o caso de Pina Moura. Como Ministro da Economia e das Finanças, tutelava a EDP onde a Iberdrola já tinha, ao tempo, uma participação à volta dos seis por cento. Pois acabado de sair do governo, Pina Moura foi quase de seguida para a presidência da empresa espanhola.

Recentemente, soube-se que o Estado, pela mão do ministro Ferreira do Amaral assinou um contrato com a Lusoponte, dando-lhe o exclusivo rodoviário na travessia do Tejo. A mesma Lusoponte que poderá vir a receber uma compensação choruda pela construção da terceira ponte. E sabem quem é o presidente da Lusoponte? Adivinharam, o ex-ministro Ferreira do Amaral.


É urgente acabar de vez com este tipo de situações. E para isso, o governo tem que fazer sair a lei que determine que ministros que têm a tutela de certas empresas não venham a ser chamados, pouco tempo depois de deixarem o governo, para os conselhos de administração dessas mesmas empresas que tutelaram.

É que, mesmo acreditando que “não há rapazes maus”, podemos ser levados a pensar que certas medidas que foram tomadas pelos ministros, podem muito bem ter servido como moeda de troca de um lugar no conselho de administração de determinada empresa, quando estes senhores deixarem o executivo.

“Eu não acredito em bruxas, mas ...”.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Amendoins


Devo confessar que sou louco por amendoins. Podem-me até dizer que é mais um fruto seco que me vai fazer subir o colesterol, que a gordura é mais do que muita e que, para além de engordar, me fará mal a uma série de coisas, mas a verdade é que, com alguma frequência, não consigo resistir e vou-me aos amendoins.

Provavelmente têm razão. A ingestão excessiva dos amendoins pode fazer-me subir o colesterol e o meu aspecto de dandy charmoso pode, provavelmente, ficar prejudicado. Mas, em minha defesa, eu tenho que esclarecer o seguinte:

Em primeiro lugar, o amendoim, ao contrário do que muito boa gente pensa, não é um fruto mas sim a semente comestível de uma planta tropical oleaginosa, a que alguém se lembrou de chamar “Arachis hypogaea”.


Depois, procuro comer amendoins que tenham casca para que, por um lado, ingira menos quantidade, porque já nos falta a paciência para estar um tempo danado a tirar as cascas e, por outro, porque os amendoins com casca não têm sal. O que constitui uma dupla vantagem, a primeira porque não vou lá muito à bola com coisas salgadas e, a outra, porque é exactamente o sal que prejudica mais a saúde, muito mais do que a gordura.

Por último, não me sinto demasiadamente culpado pelos meus “excessos”, porque já li artigos assinados por médicos em que defendem que o amendoim ao invés de aumentar o colesterol, combate-o.

De facto, os cientistas estudaram em 12 variedades diferentes de amendoim a quantidade de antioxidantes, que protegem as células contra danos que podem ocasionar cancro e doenças cardíacas e descobriram que o amendoim tem uma quantidade de antioxidantes tão grande quanto a maioria das frutas, como por exemplo o morango.



Contudo, e doenças à parte, o que ultimamente me vem aborrecendo, é que praticamente todos os amendoins são importados da China. Logo do China que, como sabem, faz parte do eixo do mal, juntamente com os espanhóis, como é constantemente referido pelo nosso amigo porcos no espaço.

Há uns anos, eles chegavam-nos das antigas colónias portuguesas e, agora, temos que os ir comprar precisamente à China, apesar da planta ser originária da América do Sul, basicamente do Brasil e dos países fronteiriços.


Mas não acabo esta crónica sem que vos diga que o “nosso” amendoim, em outras partes do mundo é conhecido, também, por aráquide, caranga, carango (Moçambique), jinguba, mandubi, manobi, amendubi, amendo mepinda (Angola), mancarra (Cabo Verde e Guiné-Bissau), erdnuss (Alemanha), cacahuete (Espanha), arachide e arachis (França), peanut (Reino Unido) e, naturalmente, pela designação algarvia e muito pitoresca de alcagoita.

sexta-feira, outubro 12, 2007

Uma outra forma de pontualidade?


Em Março último, escrevi aqui um texto a que chamei “Pontualidades” e em que dizia, genericamente, que os portugueses não são pontuais e que só 35% das reuniões começam à hora marcada.

Porém, e face a uma notícia veiculada pelo Expresso, pensei que alguma coisa pudesse ter entretanto mudado nesta matéria.

A notícia dava conta que:

“No Grupo Jerónimo Martins marca-se uma reunião para as nove e ela começa sempre um quarto de hora antes ... e ai de quem chegue cinco minutos antes das nove pensando que está muito adiantado”.



À primeira vista, parece que a Jerónimo Martins, em termos de pontualidade, constitui uma (boa) excepção à regra. Mas, vendo bem as coisas, que tipo de pontualidade é essa em que as reuniões agendadas para uma determinada hora, começam, de facto, um quarto de hora antes e não à hora designada? Para quê, afinal, marcar uma reunião para as nove, quando o que se pretende é que ela comece às oito e quarenta e cinco? Não seria mais lógico marcá-la mesmo para as oito e quarenta e cinco?

Sempre considerei que ser pontual era chegar à hora marcada, rigorosamente a essa hora e nem um minuto a mais, nem um minuto a menos. A chamada “pontualidade britânica”.

Mas, pelos vistos, nem todos pensam da mesma maneira.

De tal forma que, se o exemplo da Jerónimo Martins pegasse, o que é altamente improvável cá no burgo, seriam pontuais só aqueles que chegassem pelo menos um quarto de hora antes da hora marcada para determinado encontro ou reunião, sendo os restantes, os que aparecessem cinco ou dez minutos antes do compromisso, considerados como relapsos



Se, no entanto, encararmos o assunto por um outro prisma, penso que o exemplo da Jerónimo Martins poderia bem servir de inspiração a muita gente que usa e abusa das desculpas mais esfarrapadas para chegar atrasada aos seus compromissos, demonstrando uma absoluta falta de consideração pelos que comparecerem a horas.

E, no caso do compromisso ser profissional, não será de todo necessário que se chegue quinze minutos antes, basta que se esteja pronto e preparado para começar a trabalhar à hora marcada.

É uma questão de bom senso e de respeito para com os outros.

quarta-feira, outubro 10, 2007

Adeus “Marrachinho”


Para além dos morgadinhos e de todas as especialidades doceiras à base da amêndoa, do figo e da alfarroba, do peixe que ainda se vai encontrando fresco como se tivesse acabado de sair do mar, e das praias cuja temperatura das águas, apesar de tudo, são convidativas, o Algarve tinha até agora duas marcas genuínas, tipicamente da região, que faziam os meus encantos. As cadeias de supermercados “Ali-Super” e “Marrachinho”.

Não me recordo se algum dia entrei nalgum deles, se eram bons ou se tinham os produtos mais baratos ou não, mas tinham, de qualquer forma, uma ligação muito forte com o Algarve e com as suas gentes.

Pois esta última, o “Marrachinho” vai desaparecer do mapa até ao final deste ano, na sequência da compra desta rede pelo grupo francês “Os Mosqueteiros”, detentora das marcas “Intermarché” e “Ecomarché”.

Não sei se este negócio é a resposta à compra dos franceses “Carrefour” pela Sonae, mas sei que se vai perder mais um símbolo regional algarvio.

E a verdade é que já começo a ter saudades dos “Marrachinhos” ...










terça-feira, outubro 09, 2007

O "Segredo", de Miguel Torga


Neste ano do centenário do nascimento de Miguel Torga (1907-1995), falei-lhes, ainda não há muito, de um dos maiores escritores do século passado e deixei-vos, então, com um seu poema, a que chamou precisamente “Um Poema”.

Apesar de não terem sido feitos comentários nesse post, foram várias as pessoas que me disseram ter gostado muito daquele poema e como, de certa maneira, tinham ficado felizes por se aperceberem que Torga não era um autor assim tão difícil.

Não nos iludamos, porém. A obra de Miguel Torga, não é, de facto, para todos. No entanto, ele escreveu poemas simples e algo ingénuos e, quem sabe, pode ser que através deles, haja mais pessoas a interessarem-se pelos seus livros. Um vasto conjunto, de resto, que andou pela poesia, pela ficção e pelas peças de teatro.

E o nível da sua produção e genialidade foi de tal monta, que, por diversas vezes, foi premiado: Prémio do Diário de Notícias (1969), Prémio Internacional de Poesia de Knokke-Heist (1976), Prémio Morgado de Mateus, ex-aecquo com Carlos Drumond de Andrade (1980), Prémio Montaigne da Fundação Alemã F.V.S. (1981), Prémio Camões (1989), Prémio Personalidade do Ano (1991), Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores (1992) e Prémio da Crítica, consagrando a sua obra (1993).



Hoje, e “a pedido de várias famílias” mais um poema lindíssimo, a que Torga deu o nome de




SEGREDO

Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...

segunda-feira, outubro 08, 2007

Um cartão na caixa do correio ...



Quando na caixa do correio encontramos um cartãozinho a fazer publicidade, normalmente a pessoas que se encarregam de qualquer tipo de obras, de arranjos de electrodomésticos ou, como é o caso presente, da colocação de estores e marquises e coisas do género, o que é que estamos à espera de encontrar no lado de trás do cartão?

- a localização da fabriqueta ou a morada do artista? Certo, é uma hipotese.

- o calendário do próprio ano ou do seguinte? Correcto, acontece muitas vezes.

- o logótipo da empresa ou as condições de pagamento? Sim, por vezes.

- um jogo, nomeadamente, o Su Doku? Se calhar...


Tudo isso é frequente encontrarmos no verso desses cartões.


Só que desta vez fiquei completamente surpreendido. No cartão de que vos mostro a fotografia, encontrei um poema, um texto, uma consagração, sei lá como lhe hei-de chamar, que o dono da empresa de caixilharia dedicou à própria mãe. E pela qualidade, o texto é muito capaz de ter saído da pena do próprio.

E, para que também sintam que ao lado da colocação de janelas, marquises, estores, resguardos de banheira e outras reparações gerais, há também lugar para o lado poético e terno da vida, aqui vos deixo na íntegra uma homenagem à mãe, a que o autor chamou



“Mãe, só há uma”

Querida mãezinha,
De acordo com o dito popular, “Mãe, só há uma” eu discordo.
Mãe, há muitas. No entanto, Mãe igual á minha não existe em
Lugar nenhum do mundo...
A Mãe é única. É eterna. Não quero falar de gratidão ou coisas
assim, pois a gratidão e o respeito, simplesmente, seriam pouco
para definir a extensão e a profundidade dos sentimentos que
meu coração, alma e pensamento nutrem por si... Mais do que
ter-me dado á luz, a mãe é a verdadeira luz da minha vida.

Por isso... Obrigado Mãe...
Por seres a mulher que és...


quarta-feira, outubro 03, 2007

O currículo não exigia ...


O dia 21 de Julho é o dia nacional da Bélgica. Este ano, quando em plena comemoração do feriado nacional, um canal público de televisão pediu, em directo, ao primeiro-ministro belga que dissesse aos telespectadores o que é que se estava a comemorar, Yves Leterme engasgou-se, engasgou-se mais ainda, e lá disse que se celebrava a proclamação da Constituição. Errou messieur Leterme porque o que de facto se comemorava era a entronização de Leopold I, o primeiro rei do país, em 1831.

Mas há dias em que não se pode sair de casa e muito menos falar com os jornalistas, sobretudo se as entrevistas são emitidas em directo.

Ainda não recuperado da falha grave que cometera, o senhor Leterme enterrou-se de todo quando o mesmo jornalista lhe pediu para trautear os primeiros versos do hino nacional belga.

Desta vez, sem se engasgar e com convicção patriótica “atacou” um “Allons enfant de la Patrie”, que não é, como se sabe, o Hino Nacional da Bélgica mas sim o Hino Nacional da França. Yves Leterme confundiu a “Marselhesa” (o da França) com a “Brabançonne”, este sim, o Hino oficial da Bélgica.

Um dia realmente mau para o senhor Leterme. Como é que uma pessoa que ocupa um cargo tão importante pode ignorar dois dos símbolos da história do seu próprio país?

Mas se é verdade que tudo tem uma explicação, eu não consigo arranjar outra que não seja que, pelo menos lá na Bélgica, não faz parte do currículo exigido aos candidatos a primeiro-ministro, o conhecimento do seu Hino Nacional e os factos que originaram a comemoração do dia nacional do país.

Tudo passaria despercebido, no entanto, se aquele jornalista da RTBF, o canal público francófono, não fosse tão abelhudo e não se tivesse armado em esperto a fazer perguntas completamente descabidas ...

terça-feira, outubro 02, 2007

A “Haute Couture”




A alta costura (a conhecida “Haute Couture”, francesa) não é mais do que a criação de moda exclusiva e personalizada, feita por encomenda para um cliente específico, normalmente com a utilização de tecidos de elevada qualidade e preço, e elaborada com uma atenção extrema aos detalhes e acabamentos, utilizando frequentemente técnicas de execução manual demoradas.


São, portanto, peças exclusivas, elaboradas com tecidos de alta qualidade, desenhadas apenas para um só cliente, e, por isso, têm preços que não acessíveis à maioria da população.


Daí que, a alta costura em Portugal já tenha vivido dias melhores e tenham vindo a fechar casas bem conhecidas, como ainda há pouco tempo aconteceu com a famosíssima Ayer que, durante anos e anos vestiu a alta sociedade de Lisboa.

E neste mundo de luxo e de glamour, em que se destacam como capitais da moda, as cidades de Londres, Nova York, Tokyo, Milão e, claro, Paris, sobressaem os nomes de afamados costureiros conhecidos mundialmente como Chanel, Christian Dior, Lacroix, Ungaro, Givenchy, Jean Paul Gaultier, Giorgio Armani, Valentino e tantos outros.


Mas nem todos os costureiros e designers de moda, famosos embora, têm nomes tão sonantes como os referidos, o mesmo acontecendo às próprias casas para onde trabalham.

Daí que eu tenha ficado muito curioso quando encontrei aquele anúncio de beira de estrada da “Madame Tesoura” – Modista. À primeira vista, um nome minimalista, simplório, quando muito modesto.

No entanto, pode muito bem acontecer que daquela casa de aspecto simples e de nome igualmente simples, venham a sair colecções de alta costura para serem passadas num grande centro de moda. Quem sabe?




segunda-feira, outubro 01, 2007

Boas-vindas?


Muito embora estejamos acostumados a que dos Estados Unidos nos chegue o que há de melhor e, também, o que há de pior, temos que admitir que os americanos, de uma forma geral, têm dado sobejas provas de que a cultura e a boa educação não são as suas qualidades mais fortes.

E a prová-lo, veja-se o tipo de recepção que o Reitor da Universidade de Columbia fez ao seu convidado, o presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad que estava de visita aos Estados Unidos.

Pois o senhor Lee Bollinger, magnífico reitor da Universidade de Columbia, não esteve pelos ajustes e, em frente de uma enorme plateia e de muitos convidados, entrou a matar e deu as boas-vindas a Ahmadinejad da maneira mais grosseira e mais deselegante que se poderia imaginar:

“Vamos ser claros desde o princípio, senhor Presidente: o senhor tem todos os sinais de um ditador mesquinho e cruel, de uma espantosa ignorância”

Ainda que ele tivesse dito aquilo que quase todo o mundo pensa, o Presidente do Irão tinha sido convidado para estar presente e só pessoas mal educadas e grosseiras teriam tido a desfaçatez de insultar fortemente uma pessoa que ele próprio convidara.

Se não se gosta de alguém, o normal é não se convidar esse alguém. Mas, se existem motivos fortes que, mesmo não se gostando da pessoa, obriguem a que se faça esse convite, então, manda o bom-senso que, no mínimo, não se hostilize o convidado, provocando-o com tudo aquilo que o anfitrião pensa dele. Ainda que esteja coberto de razão.


Mas, já que o senhor Lee Bollinger parece ser um homem de imensa coragem e que não tem papas na língua, adoraria ouvir o magnífico reitor dirigir aquelas mesmas palavras ao Presidente do Irão, mas no ... Irão!