segunda-feira, setembro 30, 2013

A "Aldeia da Pena"




Ainda que não me restassem grandes dúvidas em quem iria votar nas autárquicas de ontem, ainda assim, achei que seria bom afastar-me por uns dias do lugar onde vivo. Para reflectir melhor e, quem sabe, votar noutra tendência que levasse o meu município a fazer mais e melhor? Não, à partida isso é o que todas as forças concorrentes prometiam e, por isso, não valeria a pena reflectir mais. Ou seria para encontrar mercados alternativos que pudessem compensar mais uma falha do Governo que prometera há muito voltar aos mercados em 23 de Setembro, na última segunda-feira, e não o conseguiu? Também não. Estive longe de casa e do vosso convívio, durante estes poucos dias, apenas para mudar de ares e conhecer ou revisitar lugares onde não ia há muito.

E nestas andanças, conheci a "Aldeia da Pena", uma das 27 aldeias de xisto existentes na região centro do país. Isolada como as demais, a "Aldeia da Pena" está aninhada num vale profundo da Serra de São Macário e, para lá chegar, temos que percorrer quilómetros infindáveis de estradas estreitas e difíceis que atravessam o cenário de rara beleza.

Mas para além da tipicidade característica de uma aldeia de xisto com seis habitantes e uma dúzia de casas de habitação, impressionaram-me, sobretudo, duas coisas. Naquele fim de mundo, quando entrámos na Adega Típica da Pena, o único sítio onde se podia comer uma refeição (mas só por encomenda) ou petiscar, a televisão (por satélite, já se vê) estava ligada num canal que se me afiguraria improvável naquele lugar: na SIC Notícias. A outra coisa que também me impressionou foi quando, já preparado para regressar, assisti à chegada de uma carrinha da Câmara de S. Pedro do Sul que trazia da escola uma miúda de uns dez, doze anos. Provavelmente a única menina a habitar naquele sítio (talvez filha dos donos da Adega) que, nos seus tempos livres, apenas teria como companheiras de brincadeira, as águas cristalinas e frias da ribeira que nasce não muito longe e, supostamente, o skype para comunicar com as suas amigas. Ah, e já agora, também achei piada ao facto da "Aldeia da Pena" também estar disponível no facebook. Se calhar por obra e graça da tal miúda.


 

segunda-feira, setembro 23, 2013

Inglês a partir do 1º. ciclo? Esqueçam ...



Como sabem sou um firme defensor da nossa língua. Para mim, o português está sempre em primeiro lugar. O que não invalida, de modo algum, que defenda intransigentemente a aprendizagem de outras línguas. Vejo (e oiço) com prazer que cada vez se fala mais e melhor o inglês e tenho pena que o francês já não tenha o acolhimento e a pujança de outros tempos.

Por isso fiquei muito feliz quando o Governo de José Sócrates se decidiu pela obrigatoriedade do ensino do inglês logo no 1º ciclo. E porque "De pequenino é que se torne o pepino" esta medida fazia supor que, num futuro próximo, toda a gente poderia dominar o inglês como ferramenta de trabalho ou, simplesmente, como maneira de melhor comunicar com pessoas de outras paragens.
Porém, outro entendimento teve o actual executivo que determinou que deixava de ser obrigatória a oferta de inglês no 1º ciclo, muito embora as escolas possam decidir se querem, ou não, oferecer a disciplina. Segundo o Ministro da Educação, Nuno Crato, "é tudo uma questão de autonomia das escolas". Liberdade de escolha para as escolas e para os pais o que, segundo Crato, constitui um "progresso". Tretas, digo eu. O que o Ministério pretende é reduzir custos e assim deixar de pagar aos professores de inglês que, certamente, irão engrossar o número de desempregados. Tanto mais que muitos Directores de escolas já anunciaram não terem meios financeiros suficientes e que, portanto, vão ser obrigados a cortar ou eliminar as aulas desta disciplina.

Para além de estar em perfeito desacordo com mais uma medida que acaba com uma matéria considerada como actividade de enriquecimento curricular, espanta-me que o seu anúncio tenha acontecido justamente uma semana depois do mesmo Nuno Crato ter anunciado que no 9º ano começava a haver exame de inglês (que não conta para o resultado final do ano), analisado pela Universidade de Cambridge e que poderá até dar direito a diploma. Não dá para entender. Ou, se calhar, dá ...

sexta-feira, setembro 20, 2013

Nem tudo o que luz ...



 
A mania de que dos países escandinavos só nos chegam as coisas melhores do mundo, as que nunca por cá, jamais conseguiríamos alcançar, caiu uma vez mais por terra.

Quando há pouco tempo se soube da brilhantíssima ideia do primeiro-ministro da Noruega de se disfarçar de taxista para se aperceber o que é que o povo pensava dele e das políticas do seu Governo, a rapaziada cá do sítio ergueu as mãos ao céu e exclamou "isto sim, são políticos a sério". Puro engano, como entretanto se soube. É que nos vídeos que correram céleres pela internet participaram passageiros que eram meros figurantes, seleccionados e pagos para executar o papel a troco de cerca de 65 euros, pagos como "forma de agradecimento".

Uma fraude, já se vê. Que poderia ter sido evitada se o governante norueguês conhecesse minimamente o nosso país, os nossos políticos e algumas das campanhas que eles protagonizaram. Lembram-se das "manifestações espontâneas" que juntavam milhares de pessoas, realizadas por políticos deste e do regime anterior? Recordam-se que Sócrates, então Primeiro-Ministro, propagandeava o computador Magalhães numa escola em que os supostos alunos eram apenas meninos "convidados"? Ou quando, há pouco mais de 20 anos, Marcelo Rebelo de Sousa também conduziu um táxi em Lisboa quando se candidatava à Câmara da capital?

Enfim, por cá como por outras paragens, lança-se mão ao que se pode na tentativa (nem sempre tão criativa assim) de iludir os eleitores e caçar mais uns quantos votos.

Resultados precisam-se ...

quinta-feira, setembro 19, 2013

Delicadeza




Os estrangeiros (muito mais do que nós próprios) costumam evidenciar a hospitalidade das nossas gentes, traduzida em gentileza, boa-educação e simpatia. Mas será realmente assim?

Quantas vezes segurou uma porta para alguém passar e, desse alguém, não ouviu qualquer agradecimento? Quantas vezes chegou a um local e disse bom-dia e como resposta obteve um silêncio ensurdecedor? Quantas vezes lhe pediram qualquer informação sem que esse pedido viesse antecedido por um simples e educado "por favor"?

Não basta que Portugal seja considerado um destino de referência do turismo global. O Douro e o Porto têm recebido várias distinções em prémios internacionais. Lisboa e o Algarve também receberam, há dias, galardões que nos encheram de vaidade. É reconhecido que somos um país acolhedor que tem coisas bonitas para oferecer e partilhar. E que a nossa gente gosta de receber e de conviver.

Enfim, para os que vêm de fora somos, sem dúvida, muito simpáticos. E para nós, para os que estamos cá sempre. Não deveríamos ter comportamentos semelhantes?

quarta-feira, setembro 18, 2013

Comprar frigoríficos? Que horror!



Fiquei perplexo ao ler a crónica publicada pelo economista João César das Neves, no DN do pretérito dia 9 de Setembro. Percebe-se pelo texto que César das Neves não conseguiu entender a ambição natural de um povo (do antes do 25 de Abril) - que ele descreveu como "pacato e trabalhador, poupado e prudente, que se sacrificava generosamente, labutando dia e noite para cumprir os deveres, mesmo sentindo-se explorado" - em ser livre e aspirar a viver com as condições que até então lhe tinham sido negadas. E, provavelmente, também não entendeu o que se passou no pós 25 de Abril de 1974.

Não consigo ser tão expressivo (nem tão brilhante) como Daniel de Oliveira o foi na resposta que publicou no Expresso On-Line (sugiro que a leiam) mas, ainda assim, não posso deixar de manifestar a minha indignação pelas palavras de João César das Neves. Considero mesmo que ele tem uma má imagem deste povo sofrido, subjugado por tantos anos de ditadura. E isso vê-se quando ele observa que "com a revolução o tal povo já não precisava de ser pacato e trabalhador, poupado e prudente. Era um país democrático, livre, independente. A nova geração iria viver como os patrões franceses e alemães. E Portugal gastou. Criou autarquias e dinamização cultural, comprou frigoríficos e televisões, exigiu escolas e hospitais".

César das Neves acha estranho que este povo - não o seu evidentemente, a elite a que pertence tinha (e continua a ter) privilégios - manifestasse a sua alegria por ter acabado uma guerra que ele nunca quis, por ter acesso, finalmente, à educação que era destinada apenas a quem tinha posses para isso, por se poder manifestar em liberdade, por, enfim, ter a possibilidade de viver num regime democrático. Viver num país livre onde para além de se trabalhar e pagar impostos as pessoas pudessem ter esperança no futuro, pudessem decidir sobre a sua vida colectiva e, luxo dos luxos, pudessem ter escolas e hospitais e até comprar frigoríficos, televisões e outros bens de conforto. Aquelas coisas banais que César das Neves já tinha mas a que não atribuía valor por aí além.

Claro que "a euforia da liberdade política criou um problema de endividamento". Mas César das Neves esqueceu que esses momentos de maior euforia onde o "desnorte despesista" foi maior se deve em grande parte a diversos interesses, nomeadamente da banca. Mas, uma vez mais e para arrepiar caminho, tivemos de, com grandes sacrifícios ao longo de décadas, voltar a ser pacatos, poupados e prudentes.

terça-feira, setembro 17, 2013

A (maldita e enganosa) convergência



Na última semana, o presidente da Obra Social Padre Miguel, em Bragança, denunciou que a crise está a obrigar os idosos a adiarem a ida para os lares para poderem ajudar os filhos com as suas pensões.

Esta é uma outra forma de como os mais velhos, já reformados e muitos deles com pensões baixas, ainda têm que valer aos filhos (e aos cônjuges e aos netos, em tantos casos), eles próprios vítimas de situações adversas, nomeadamente por causa do desemprego, incapazes de cumprirem as obrigações assumidas com bancos e outros credores. São, pois, as magras pensões dos idosos que têm que ajudar toda a família. Abrigá-los, sustentá-los e pagar-lhes (se ainda puderem) o seu dia-a-dia.

E como vai ser no próximo ano quando as pensões acima dos 600 euros (419,22 nas pensões de sobrevivência) tiverem um corte de 10%? Em orçamentos já completamente esticados, muitos deles que já não chegam para cobrir as despesas mais básicas, como vão sobreviver esses milhares de pessoas? Manuela Ferreira Leite, social-democrata e antiga Ministra das Finanças, considera "esses cortes nas pensões pagas pela Caixa Geral de Aposentações (CGA) aos antigos funcionários públicos imoral e uma agressão". Concordo. A lei pode até ser legal mas é profundamente imoral.

Mas, como se sabe, e já aqui fiz questão de o sublinhar em anteriores crónicas, esta proposta do Governo não abrange toda a gente. Por exemplo, ex-políticos, juízes do Tribunal Constitucional e militares vão manter a bonificação nas pensões. Porquê?

E todos estes cortes em nome de uma tal convergência de pensões entre o sector público e o sector privado. Mas não se iludam, não há convergência alguma, o propósito é tão-só arranjar dinheiro custe o que custar.

Exactamente por isso é que me está cá a parecer que este diploma (que já está no Parlamento) irá rapidamente bater à porta do Tribunal Constitucional. E muito embora o Governo esperasse poupar com a medida cerca de 700 milhões de euros, espero bem que os juízes do TC, como já o fizeram com outras propostas recentes, venham a decidir que a lei é inconstitucional. Baseados, talvez, numa quebra do contrato social estabelecido, na evidente falta de equidade nos sacrifícios mas, sobretudo, porque é uma lei tremendamente injusta.


sexta-feira, setembro 13, 2013

O SPA



A notícia passou despercebida mas, ainda assim, escondidinha, escondidinha, soubemos que um conhecido SPA do Norte do país oferece à sua selecta clientela a possibilidade de estar imersa durante hora e meia num banho com 280 litros de ... leite de cabra. É verdade, este tipo de luxos (ou mimos, se preferirem) que conhecíamos de relatos de outros tempos (Cleópatra usava banhos similares - de leite de burra, embora - ao que parece, como fonte do rejuvenescimento eterno), continuam a existir. Um banhito à maneira em 280 litros de puro leite de cabra, o leite suficiente para fazer 50 quilos de queijo.

Não ponho em dúvida os benefícios deste tratamento de beleza. O que me choca, isso sim, é a forma como se desperdiça um produto que poderia ser aproveitado na alimentação de tanta gente.

quinta-feira, setembro 12, 2013

Safadeza!


 
A questão não se coloca como uma mera vingança pela vitória que conseguimos sobre os espanhóis na batalha de Aljubarrota em 1385. Se assim fosse, a compensação já tinha sido feita com a "entrega" de Olivença em 1801, muito embora em 1817 a Espanha tenha reconhecido a soberania portuguesa e se tivesse comprometido a devolver o território o mais prontamente possível. O que ainda não aconteceu.

O problema é que os "nuestros hermanos", para além de quererem ser donos de Gibraltar (que é território britânico), pretendem também que as nossas Ilhas Selvagens, uma parte que integra o nosso território nacional, não tenham o estatuto de ilhas mas apenas de rochas. E para quê, perguntarão? É que sendo consideradas ilhas, Portugal pode aumentar a actual Zona Económica Exclusiva em 150 milhas enquanto que, se forem rochas, poderemos aumentar apenas 12 milhas à ZEE. Um enorme potencial económico que faz toda a diferença.

E se já me incomoda que a Espanha tente ficar, a todo o custo, com uma parte importante dos ganhos económicos que possamos vir a ter com o alargamento da ZEE, aborrece-me ainda mais o facto de, à revelia de Portugal e do nosso Governo - como que num jogo de escondidas - tenha enviado uma carta para as Nações Unidas defendendo que "As Selvagens não possam usufruir do estatuto de ilhas mas apenas de rochas". Quem sabe se terão também pensado que a Madeira não é uma ilha mas sim uma rocha grande com muitos túneis.

Por muito boa vontade que me assista, mais do que considerar que se trata de um acto desonesto, incorrecto e condenável, penso que isto é uma verdadeira Safadeza. Não há outra maneira de classificar a atitude espanhola.

quarta-feira, setembro 11, 2013

O elogio do álcool




A situação (real, acontecida há pouco tempo) descreve-se de forma simples. Um trabalhador estava embriagado durante o desempenho das suas funções e a entidade patronal decidiu despedi-lo. Ao que parece, o dito trabalhador andava constantemente alcoolizado e, nesse dia - em que o camião em que o funcionário seguia tombou para um dos lados - tinha uma taxa de alcoolemia de 1,79 gramas por litro, enquanto o motorista tinha 2,3 g/l.

Não sei se a empresa tem legislação específica para estes casos mas, mesmo que não tenha, parece-me razoável que a empresa tenha despedido imediatamente o motorista e o seu companheiro que recolhia lixo. Por uma questão de exemplo e, também, por pôr em causa a sua segurança e a dos colegas.

Porém, o funcionário que recolhia o lixo entrou na justiça e o Tribunal da Relação do Porto obrigou a empresa de Oliveira de Azeméis a readmitir o funcionário. Não discuto, obviamente, a decisão do Tribunal mas não posso deixar de achar bizarro o que é dito no acórdão produzido pelos juízes-desembargadores, nomeadamente quando refere:

"com o álcool, o trabalhador pode esquecer as agruras da vida e empenhar-se muito mais a lançar frigoríficos sobre camiões e, por isso, na alegria da imensa diversidade da vida, o público servido até pode achar que aquele trabalhador alegre é muito produtivo e um excelente e rápido removedor de electrodomésticos".
 

Ainda que considerando que este acórdão pode sugerir que os doutos juízes que o produziram são pessoas de fino humor e pensamento filosófico sólido, também não se pode excluir a ideia de que poderemos estar perante o mais eloquente elogio à ingestão do álcool. Por outras palavras, "Viva a bebedeira, com ela trabalharemos mais e melhor". Será?

terça-feira, setembro 10, 2013

Do you speak english?




Alvor, Algarve, Portugal, Agosto de 2013. Procurava um restaurante que me tinham recomendado. O calor era muito, a praia e a água do mar justificavam plenamente o reduzido movimento das ruas. Por fim, consegui encontrar um rapaz que saía da cozinha de um outro restaurante. Ao interpelá-lo, respondeu-me: "Do you speak english?" A resposta foi pronta e afirmativa. Claro que sim, afinal estava em Portugal, no meu país, numa zona de restauração onde abundam os menus em inglês e nada mais natural que eu tivesse que saber inglês para pedir uma simples informação sobre aquela terra portuguesa. Afinal, qual era a admiração?

Depois, lembrei-me que tinha lido há pouco que um novo posto de correios na Covilhã tinha o usual logótipo dos CTT em tamanho diminuto, num painel de informação em que dominava em tamanho grande o "logo" "Postshop". Nada mais natural, nada mais português. Um posto de correio localizado numa cidade portuguesa só poderia ter um nome tão tradicionalmente português como "Postshop".
Pois é, o nosso país está-se a vender aos poucos. A nossa língua também.


segunda-feira, setembro 09, 2013

Vai uma apostinha?


Embora não seja grande adepto de apostas (jogar no euro milhões é a excepção), o caso de que me ocupo hoje sugeriu-me o título desta crónica. E porquê?

Porque o Governo anunciou (as intenções. por enquanto) de que as pensões de reforma e de invalidez dos ex-funcionários públicos, acima dos 600 euros ilíquidos, vão sofrer um corte até 10%. Mais um corte que vai afectar uma classe que descontou "religiosamente" durante uma vida inteira com fundamentadas esperanças de uma velhice mais tranquila e que tem sentido na pele os sucessivos cortes nas suas reformas. A medida abrange as pensões que já estão a ser pagas, ainda que não esteja definida a fórmula que se irá aplicar.
 
Mas, perguntarão, isto é para se aplicar a todos os ex-funcionários públicos? NÃO! De fora ficam os juízes, os diplomatas e os antigos titulares de cargos políticos. E isto porque as pensões que são pagas a estes senhores são reguladas por leis diferentes, se bem que o Governo deixe em aberto a possibilidade de também vir a introduzir cortes nestas pensões. Mas, insisto, vai uma apostinha que isso não vai acontecer? Tanto mais que deixaram claro que o caso será tratado em sede própria e, caso se justifique, aplicar-se-á o cortezinho agora proposto. Então, e por enquanto, Deputados com mais de 12 anos e Ministros e Secretários de Estado até 2005 ficam a receber o mesmo que até aqui e as subvenções vitalícias pagas aos políticos não são contempladas na proposta de lei.
 
Mas se para vários constitucionalistas as tais excepções aos cortes salariais na função pública levantam problemas ao princípio da equidade, podendo levar a um novo chumbo do Tribunal Constitucional (os cortes podem avançar sem alterações que, se vier outro chumbo, a seu tempo se verá), uma coisa continua em dúvida: saber se os tais cortes vão coexistir com a CES (contribuição extraordinária de solidariedade), que afecta as pensões acima de 1350 euros. Sabe-se que a CES vigora até ao fim deste ano mas será o próximo Orçamento do Estado que vai decidir sobre a sua eventual continuação.

Estejam à-vontade os senhores do Governo, cortem o que quiserem porque, como dizia o outro, "Ai, nós aguentamos, aguentamos!"

sexta-feira, setembro 06, 2013

O Papa Francisco



Durante o regresso da recente viagem que fez ao Brasil, no avião em conversa com os jornalistas, o Papa Francisco respondeu a uma pergunta que lhe foi colocada, desta forma:
 
"Até agora não fiz grande coisa. Mas houve algo que já mudou. Não é possível voltar atrás e reapresentarmo-nos ao mundo revestidos de rendas e bordados".
 
Uma frase cheia de significado que justifica a enorme esperança que depositamos no seu pontificado.



quinta-feira, setembro 05, 2013

São papéis, senhor, apenas papéis ...



Neste final de verão quente mantém-se acesa a controvérsia sobre a destruição dos "papeis de trabalho" que serviram de base aos oito relatórios de auditoria sobre os swaps. Desde logo pela interpretação da portaria de 2002 que estabelece o prazo de arquivo destes "papeis". Para uns, 20 anos (3 anos na denominada "fase activa" e mais 17 num arquivo intermédio), para outros apenas 3 anos após o despacho do inspector-geral sobre os relatórios. Mas para além das diferenças de interpretação, o que muitos questionam são os porquês de terem sido destruídos apenas cinco dos oito conjuntos de "papeis de trabalho" das auditorias. Porquê só cinco e porque não todos? E qual o critério adoptado para serem destruídos precisamente aqueles cinco? Mas aí, veio a explicação - clara - da Inspecção-Geral de Finanças: o funcionário não tinha tido tempo para destruir tudo. Desculpa um tanto ou quanto esfarrapada, convenhamos.

Só mais uma coisinha sobre a destruição dos "papeis de trabalho" das auditorias aos swaps, quando estes, na altura, já suscitavam muitas dúvidas. É que segundo as boas práticas da auditoria, quer a externa quer a interna, os "papeis de trabalho" são fundamentais para justificar e perceber o que é escrito no corpo dos relatórios. Quer pelas anotações efectuadas pelos auditores quer pelas situações e interligações que possam vir a ocorrer no futuro. Qualquer pessoa que tenha trabalhado em auditoria sabe bem da importância que esses papéis de trabalho têm, razão pela qual devem ser guardados por prazos dilatados.

Já agora, e a terminar, conto-vos uma breve história que se passou na Instituição Financeira onde eu trabalhava. Numa auditoria, o responsável pela equipa, pessoa de grandes conhecimentos técnicos mas que apreciava uma boa graça, num dos tais papéis de trabalho onde se analisava uma situação "quente", fez os seus comentários mas de uma forma divertida e em verso. Uns tempos depois, no relatório de uma auditoria que o Banco de Portugal efectuou à nosso Departamento de Auditoria, pôde ler-se uma referência que dizia pouco mais ou menos isto: "Constatou-se nesta intervenção, que os auditores da Instituição XXXX revelaram grande competência e mostraram um elevado grau de boa-disposição e um conhecimento aprofundado de métrica poética".

Se um qualquer funcionário da minha Instituição tivesse destruído os ditos papéis de trabalho, ter-se-ia perdido esta "pérola" que demonstra bem, caso ainda houvesse dúvidas, que os auditores são pessoas que também têm sentido de humor.

quarta-feira, setembro 04, 2013

O problema não é o Tribunal Constitucional, é o ... Governo




Já aqui manifestei a minha indignação com os chumbos do Tribunal Constitucional em diplomas aprovados pelo Governo ou pela Assembleia da República. E indigno-me mais ainda (não com o TC, obviamente) porque, ultimamente, têm sido uns a seguir aos outros. Nunca se viu tal coisa, muito embora alguns agora clamem que tudo resulta das diferentes interpretações - do Tribunal Constitucional e do Governo - das leis apresentadas face aos princípios constantes na lei fundamental do país, a Constituição. Mas, das duas uma, ou o Governo é totalmente incompetente (o que não acredito) ou está tentar arranjar chumbos sucessivos para justificar a não implementação das más políticas que teima em seguir (inclino-me mais para esta hipótese). Ainda há uma outra teoria (a da conspiração) que passa pela possibilidade de garantir aos juízes emprego para toda a vida, uma vez que muitos deles são designados pelos próprios partidos.

O facto, porém, é que o Primeiro-Ministro para além de já ser o campeão das inconstitucionalidades é também o rei da arrogância (ainda falavam do Sócrates) que parece não ter percebido o que é um Estado de Direito. Talvez seja bom dizer a Passos Coelho que Portugal tem uma coisa que se chama "Constituição", que o Estado se subordina a essa Constituição e que as leis que são susceptíveis de violar os princípios lá consagrados têm que ser presentes ao Tribunal Constitucional para serem avaliadas e aprovadas ou não. É chato mas é assim.

E quando, neste último fim-de-semana, o PM discursava no encerramento da Universidade de Verão da JSD, perante os jovens futuros quadros do PSD, foi longe demais quando considerou que "os chumbos do TC não são um problema da Constituição, mas da “interpretação” da Constituição dada pelos juízes do Palácio Ratton". E rematou “não é preciso mudar a Constituição”, mas é preciso “bom-senso”. Frase infeliz e provocatória de um político que, quando chegou ao Governo, até queria rever a Constituição e que parece não saber que o papel dos juízes do Tribunal Constitucional é justamente interpretar as leis que lhes são apresentadas.

Pode-se não estar de acordo com essas interpretações - tudo na vida é discutível - mas o Tribunal Constitucional existe, tem as suas competências e, caso considere inconstitucional uma lei que lhe seja presente, o que o Governo tem a fazer é arranjar alternativas ao que propôs antes. É assim, é a vida!

terça-feira, setembro 03, 2013

Isaltino, sempre ele ...




As autárquicas estão à porta e continuamos à espera de saber - em definitivo - se os autarcas (os chamados dinossauros autárquicos) que já cumpriram o número máximo de mandatos permitidos por lei como Presidentes de Câmara podem, ou não, concorrer a uma outra Câmara Municipal. Como as sentenças dos vários tribunais são contraditórias para casos semelhantes, aguarda-se com expectativa a decisão do Tribunal Constitucional.

Mas as próximas autárquicas já nos trouxeram uma novidade, se calhar única em todo o mundo, provavelmente com possibilidades de constar no Guiness. O de um preso que cumpre dois anos de prisão efectiva pretender candidatar-se à Assembleia Municipal de um Concelho onde foi Presidente durante vários mandatos - Isaltino Morais.

É que, se do ponto de vista formal, nada o impede de concorrer, uma vez que - segundo a Constituição - a prisão não restringe os direitos políticos de quem está detido, a grande interrogação que se coloca é como poderá ele exercer as suas funções se não pode sair da prisão? Ou seja, como estará presente nas reuniões? E, não comparecendo, o certo é perder o mandato por faltas.

O caso é no mínimo bizarro. Como é igualmente estranha a posição do vice de Isaltino e actual Presidente de Oeiras quando afirma:
 
"Isaltino Morais pode ser candidato. A lei permite-o. Se depois pode, ou não, exercer será um problema dos tribunais e dos serviços prisionais".
 
Tudo isto é esquisito, não é?   


segunda-feira, setembro 02, 2013

A brincar aos pobrezinhos ...




Nos tempos que correm a maioria dos portuguesas já considera um privilégio ter férias ou, tendo-as - luxo dos luxos - conseguir passá-las fora de casa, quem sabe se nesse mítico paraíso de águas (mais ou menos) quentes e límpidas e areias escaldantes chamado Algarve.

Esquecidas que estão, para muitos, as viagens para o exterior, nomeadamente para as longínquas e exóticas praias do Caribe, o Algarve já fica de bom tamanho, ainda que os preços (mais baratos, embora) ainda não estejam ao alcance de todas as famílias. Tanto mais que, para muitas, as despesas que aí vêm com o regresso da pequenada às escolas seja um motivo forte de preocupação.

Por isso, e embora o facto tenha acontecido há já umas semanas, não quero de deixar de vos dizer como fiquei incomodado com as declarações proferidas por alguém do "jet-set" nacional à Revista do "Expresso". Nessa reportagem relatava-se como uma parte da elite nacional e internacional passa os seus momentos de ócio na Herdade da Comporta, o destino mais exclusivo e selvagem da Europa. Uma propriedade privada da família Espírito Santo, onde convivem personalidades da alta finança e elementos das mais abastadas famílias.

Cristina Espírito Santo, filha de um administrador do BES, contava na Revista do "Expresso" as suas recordações de infância na Comporta e confessou que "gosta de ir para a herdade da família na Comporta porque lá é como brincar aos pobrezinhos".
 
Nestas ocasiões costuma-se dizer que este tipo de declarações foram tiradas do contexto em que foram produzidas. Porém, neste caso, mais parece terem sido um desabafo de alguém que pertence a uma família muito rica e que não teve a sensatez e a humildade de medir as palavras que disse.

Ainda que, mais tarde, esta senhora tivesse pedido desculpa a eventuais ofendidos ao admitir que tinha sido infeliz na forma como se expressou, antes deveria ter pensado que, ao contrário dela, a maioria da população portuguesa está condenada "a brincar aos pobrezinhos" todos os dias. É que, infelizmente, a vida tem mostrado que o multimilionário americano Warren Buffett tem razão quando afirma: "o direito de herança faz dos filhos dos ricos ricos e dos pobres pobres".