quinta-feira, setembro 30, 2010

O silêncio das palavras


“…Depois a subida a pé até ao cemitério, em silêncio de palavras … Impressionou-me aquela timidez respeitosa perante a solenidade da morte …”

Tocou-me a descrição que eu vi escrita algures sobre a atitude assumida, durante um funeral, por quem se ia despedir de um ente querido. Talvez porque não estamos habituados a presenciá-la, pelo menos nos centros urbanos. Sempre que vou a velórios ou a funerais, assisto a animadas cavaqueiras de pessoas que já não se encontram há tempos e que aproveitam a oportunidade para pôr a conversa em dia, para contar as últimas ou para tratar de assuntos, porventura importantíssimos, que não tiveram outro tempo ou espaço para serem debatidos. Murmúrios que vão subindo de tom até o deixarem de ser.

Questiono-me muitas vezes sobre tamanho desrespeito. E não compreendo porque se ignora o recolhimento necessário e que aquele é o lugar para homenagear o falecido e a sua família. E deparamos apenas com o ruído (demasiado alegre por vezes) em vez do “silêncio das palavras”. Dá que pensar.


quarta-feira, setembro 29, 2010

Um pódio enganador

Na crónica que aqui escrevi no passado dia 23, intitulada “Afinal, esperamos o quê?”, em que abordava o tema da sustentabilidade do Estado Social não conhecia ainda os números que Nicolau Santos divulgou no Expresso desta semana. Dizia ele:

“… No que toca à generosidade dos apoios concedidos durante cinco anos após se cair na situação de desempregado, Portugal está em sexto lugar entre 29 países desenvolvidos. Não é normal que um país que está sistematicamente na cauda dos indicadores económicos europeus se encontre neste lugar. Menos normal ainda é que estejamos imediatamente à frente da Alemanha, França e Finlândia e só atrás da Noruega, Bélgica, Áustria, Dinamarca e Irlanda. Os Estados Unidos são o último país da lista. Conclusão: somos um país pobre com um apoio aos desempregados de rico. E, como é óbvio, isto não é sustentável”.

É uma conclusão sem contestação. Daí que as últimas medidas conhecidas levaram a que, em Agosto último, 38% dos desempregados já não tenham direito a qualquer apoio. Uma situação que, também ela, não é, obviamente, sustentável.

terça-feira, setembro 28, 2010

O insustentável peso do … endividamento


Neste atormentado momento que vivemos, permitam-me gracejar um pouco que seja, a ver se consigo espantar os maus espíritos. E justamente por brincadeira, atrevi-me a intitular esta crónica com uma espécie de trocadilho do título do belíssimo romance de Milan Kundera, “A Insustentável Leveza do Ser”.

No romance descrevem-se amores e desamores acontecidos na Europa Central durante os conturbados anos sessenta do século passado (“A insustentável Leveza do Ser”). No texto de hoje voltamos a tratar do também conturbado problema do endividamento nacional e da sua sustentabilidade (“O insustentável peso do endividamento).

Não é que eu traga agora qualquer dado novo sobre a matéria nem, tão-pouco, a forma de a resolver. Lembrei-me apenas de uma teoria que eu sempre ouvi, que é capaz de ter algum fundamento mas que, na situação presente, talvez não se aplique.

Dizia-se: “Dívida, dívida é aquilo que nós pedimos emprestado e não conseguimos pagar. Os empréstimos que contraímos mas que pagamos são apenas investimento. Como quando compramos uma casa que vamos pagar a 30 anos. O dinheiro que devemos ao Banco é apenas um investimento que vamos amortizando, nunca uma dívida.

No caso de Portugal, porém, somos capazes de ter uma dívida de todo o tamanho que não sei se teremos capacidade para pagar. Não façam caso, estou a brincar de novo. Claro que teremos, é só aumentar a receita, isto é, os impostos. Tão a ver?


segunda-feira, setembro 27, 2010

As “Águas de Portugal” meteram água

Precisamente quando o PEC 2 nos obriga a cumprir uma série de medidas que passam pela redução da despesa pública, vem-se a saber que a frota do Estado continua a crescer, sobretudo com o forte contributo das empresas públicas que, ao que parece, ninguém controla.

Não se põe em causa a aquisição ou o aluguer de veículos novos. Temos noção que a maioria são absolutamente necessários para o desenvolvimento/cumprimento das actividades das empresas, quero dizer para o “serviço” propriamente dito. O que se questiona, isso sim, é a política levada a cabo por essas empresas aquando da renovação das respectivas frotas e, em particular, para os veículos de gama alta destinadas ao topo da hierarquia.

Veja-se o exemplo do Grupo Águas de Portugal, cujo parque automóvel é composto por 1190 viaturas de serviço. Tudo bem, devem ser necessárias, não se discute. Mas quem é que percebe que, entre estas, tenham à sua disposição 388 carros topo de gama? Claro que ninguém aceita a justificação que isso acontece porque as viaturas são contratadas em regime de AOV (aluguer operacional de veículos) que podem até ser mais vantajosas para a empresa em alternativa à aquisição mas que têm, obviamente, custos (e altos) a pagar.

A realidade é esta. Obrigámo-nos com Bruxelas a cumprir as directivas aprovadas no Programa de Estabilidade e Crescimento. Pode até ser que as verbas dispendidas com a existência de umas centenas de carros para administradores e outros quadros não tenham uma relevância por aí além nos orçamentos, mas há questões de racionalidade, de bom-senso e de exemplo que não se podem esquecer. E, como se sabe, os mercados estão de olho em nós.

Talvez por isso, o Governo tenha suspendido de imediato a renovação da frota automóvel das Águas de Portugal e tenha decidido que Pedro Serra, o presidente do Grupo Águas de Portugal não será reconduzido quando terminar este mandato, em 31 de Dezembro.

Foi um bom sinal mas apenas um sinalzinho. Há muitos mais para dar e urgentemente.



sexta-feira, setembro 24, 2010

Um país mais elegante


Não é a primeira vez que nas minhas crónicas levanto questões de ordem comportamental para as quais, invariavelmente, procuro respostas. Embora possam parecer meras questões de somenos, a verdade é que ao lançar essas interrogações acalento sempre a esperança de que alguém me consiga aquietar as apoquentações que me vão na (i)alma. E, hoje, volto a fazê-lo.

Agora que o Verão acabou e a praia já não tem o encanto de quando começou o tempo quente, interrogo-me por que é que as pessoas teimam em regressar da praia com a areia agarrada aos pés (às vezes até meio da perna), envergando apenas o biquíni ou os calções (daqueles que são pródigos em realçar os ventres avolumados). E mais ainda porque se passeiam alegremente nesses trajes pelas ruas, pelas lojas e até pelos restaurantes, mesmo os que já estão longe do perímetro das praias.

Será que essa gente não consegue perceber o ridículo das figuras que fazem? É que seria bem mais apropriado que eles envergassem uma t-shirt (não daquelas de alças à camionista, por favor) ou um pólo e elas se cobrissem com um simples “pareo” ou um vestidinho de alças. Também lhes ficaria melhor calçarem umas sandálias ou até umas havaianas (mesmo de contrafacção) depois de sacudidas as areias semi-molhadas dos pés. Ficariam bem melhor fossem eles para onde fossem. E, notem, não estou sequer a sugerir que usem outras toilettes, essas mais adequadas a lugares nocturnos.

Ao fim e ao cabo podemos e devemos andar à vontade, nomeadamente quando estamos em férias. Mas andar à vontade não significa desleixo. A nossa terra mereceria melhor. Embora com montes de dificuldades para resolver, seria certamente um país mais elegante e agradável.



quarta-feira, setembro 22, 2010

“Quando a esmola é grande …”


Quando atendi o telefone ouvi uma voz apática e sumida perguntar se eu era eu. Como disse que sim, a tal voz triste e inexpressiva comunicou-me que eu tinha sido um dos cinco felizes premiados com quinze dias de férias no Algarve. Era um prémio de truz, ganhar quinze dias de alojamento para quatro pessoas numa de várias unidades hoteleiras à escolha, cujos nomes e localização não consegui ouvir. Intuí, contudo, pela voz desanimada que me soava do outro lado, que o prémio deveria ter “algum defeito”.

Por descargo de consciência ainda perguntei o que é que eu tinha feito para ganhar essas férias, assim de mão beijada. Deram-me duas hipóteses, ou tinha preenchido qualquer inquérito num centro comercial ou na net ou, simplesmente, fora escolhido aleatoriamente pelo computador da empresa que promovia a acção. Que sorte! Provavelmente eu não tinha feito mesmo nada para merecer tamanha distinção mas, como sou um tipo de sorte, fui o escolhido, com mais outros quatro felizardos, para passar quinze diazitos no Algarve.

Havia, porém, uma condição. Teria que me deslocar a uma determinada direcção ali para os lados do Restelo, às 21 horas desse dia, a fim de levantar o voucher que me daria direito ao prémio. Mas tinha que ser nesse próprio dia, senão perderia a oportunidade. Informei o meu “entusiasmado” interlocutor que não me era possível comparecer, ao que ele respondeu incrédulo e entristecido “mas olhe que são quinze dias no Algarve para quatro pessoas …”.

Declinei o prémio, agradeci a atenção e desliguei. Imagino que o sujeito tenha ficado ainda mais desolado, quem sabe se com os olhos marejados de lágrimas. Só não sei se por eu ter desperdiçado tão generosa oferta, se por ele não ter podido dizer-me que associado ao prémio havia um produto que a organização pretendia impingir.

Pode ser que o meu suplente na lista tenha querido aproveitar a oferta. Só que a esta hora talvez esteja a pensar por que razão foi assinar um contrato de compra de uma coisa que nunca quis e que farão destas férias algarvias, umas férias demasiado caras.



terça-feira, setembro 21, 2010

Ah, então, fico muito mais descansado …



Desde sempre que me lembro do atum Tenório. Era ainda criança e ouvia o meu pai dizer que lá em casa só se comia o atum Tenório porque era o melhor. E a marca foi perpassando os tempos e as gerações e, apesar de terem aparecido muitas outras – portuguesas e estrangeiras – o “Tenório” aí continua a dar cartas, fiel à qualidade que sempre tem mantido e à imagem da embalagem – sempre igual – a que nos habituou.

Mas o que eu nunca tinha reparado, e fi-lo agora por mero acaso, é que num dos topos da embalagem, em letras mais diminutas do que as que figuram nos contratos dos bancos e dos seguros (aquelas que estão lá mas não são para serem lidas), mesmo por cima da cabeça do senhor que deve ter sido o fundador do produto, está patente a seguinte indicação:

“Grande Prémio de Honra na Grande Exposição Industrial Portuguesa 1932”

1932? Mas isso foi há um ror de tempo. Estamos em 2010 e, se não me falham as contas, já passaram 78 anos. E a partir daí o que aconteceu? Tiveram mais prémios ao longo dos anos ou o seu apogeu deu-se exactamente nessa longínqua data do início da década de 30 do século passado? É que se assim for, embora sem mais distinções conseguidas mas também sem manchas que envergonhem o seu passado e o presente, poderei dizer com toda a tranquilidade “Tiveram um prémio há 78 anos? Ah, então, fico muito mais descansado …”



segunda-feira, setembro 20, 2010

Afinal, esperamos o quê?



Estava para escrever sobre este assunto nos próximos dias mas o Director do Expresso, Henrique Monteiro, “antecipou-se” e publicou no último sábado um excelente artigo intitulado “O Estado Social e a Demagogia” (de que transcrevo uma parte) em que reflecte bem o impasse a que se chegou na sociedade quanto ao Estado Social, a exemplo, aliás, do que acontece com as demais matérias que têm a ver com o dia-a-dia das populações e dos países.

“… o grande problema, que quase ninguém entre nós aborda, é este: o Estado social está ameaçado em toda a Europa e não só em Portugal, mas não por uma mirífica direita. Está ameaçado porque concedendo direitos que hoje consideramos inalienáveis, tornou o factor trabalho caro, ao mesmo tempo que a globalização permitiu que países sem regras de humanidade social produzam bens muito baratos, beneficiando de deslocalizações e/ou através de mão-de-obra miseravelmente retribuída. O velho Ocidente endivida-se às mãos de chineses, indianos, brasileiros, angolanos ou russos. Os défices sucessivos vão obrigar-nos a refrear inúmeros direitos e subsídios que agora distribuímos. E este é um problema de hoje que é preciso resolver. Reduzi-lo à simples paróquia da política portuguesa, uma divisão entre bons e maus, é uma demagogia pegada …”

Eu não diria melhor. O diagnóstico está feito há muito e é conhecido de todos. Por isso pergunto, então do que é que estamos à espera para avançar com as soluções. Nós e especialmente a União Europeia a que pertencemos e que deve ser o motor das medidas necessárias para combater a situação.

A maioria de nós reconhecerá que já não temos Estadistas com uma visão estratégica para o país para, pelo menos, cinco ou dez anos. Contudo, ainda acredito que haja por aí alguns políticos inteligentes e sensatos que, em conjunto com uns quantos tecnocratas competentes, possam salvar-nos. É que continuando nesta inércia que nos arrasta para o fundo, alimentando demagogias que a ninguém interessam, só poderemos esperar o pior das ameaças que pairam assustadoramente sobre as nossas cabeças.



sexta-feira, setembro 17, 2010

Até Amanhã


De Eugénio de Andrade “Até Amanhã”


Sei agora como nasceu a alegria,

como nasce o vento entre barcos de papel,

como nasce a água ou o amor

quando a juventude não é uma lágrima.

Primeiro só um rumor de espuma

roda do corpo que desperta,

sílaba espessa, beijo acumulado,

amanhecer de pássaros no sangue.

Subitamente um grito,

um grito apertado nos dentes,

galope de cavalos num horizonte

onde o mar é diurno e sem palavras.

Falei de tudo quanto amei.

De coisas que te dou

para que tu as ames comigo:

a juventude, o vento e as areias.

quinta-feira, setembro 16, 2010

Cuba, e agora?


Já tinha lido há dias que o ex-presidente cubano Fidel Castro considera que o modelo económico de Cuba "deixou de servir". A declaração é bombástica mas, num país a braços com graves problemas económicos e sem apoios exteriores, só peca por tardia. Apesar do desassombro da afirmação, a “explicação oficial” não tardou e veio esclarecer que “Fidel não estaria a recusar as ideias da revolução, mas simplesmente a reconhecer que o Estado tem um papel excessivo na vida económica do país”. Pois!

Quando, há uns anos, estive em Cuba pude descobrir um país em que cerca de 85% da população era empregada do Estado. Não havia, portanto, desemprego, ainda que para isso houvesse muitas funções em que uma pessoa trabalhava às 2ª e 5ª, outra às 3ª e 4ª e uma terceira às 6ª e sábados. Três em um: um emprego, três trabalhadores. É certo que ganhavam pouco mas todos tinham uma ocupação, um salário, embora só fossem chamados a trabalhar dois dias na semana. Era uma situação confortável para os trabalhadores que se sentiam aconchegados com a ideia da garantia dos seus postos de trabalho mas perfeitamente insustentável para o Estado Cubano. De facto, um modelo peculiar de que o próprio Presidente Raul Castro chegou a afirmar "Temos de acabar com a ideia que Cuba é o único país do mundo onde se pode viver sem trabalhar".

Daí que o Governo de Havana tivesse anunciado agora um plano radical – o mais drástico verificado desde a revolução de 1959 – que se propõe despedir mais de um milhão de funcionários públicos nos próximos três anos, quase metade já até ao fim do ano.

Bem podem as autoridades afirmar que os efeitos desta medida vão ser bastante atenuados pela criação de mais empregos no sector privado ou que a partir de agora vai haver grande desenvolvimento de negócios criados pelos próprios desempregados. Podem dizer o que quiserem mas o facto é que um em cada cinco trabalhadores cubanos vão ficar sem emprego, despedidos pelo próprio Estado, coisa impensável até agora.

E a questão que todos colocam é como vai ser daqui para a frente? Por um lado, para a população, a coisa vai ficar ainda mais difícil porque o “trabalho para toda a vida” acabou. Por outro, o Governo que controlava até aqui quase todos os aspectos da vida no país poderá vir a enfrentar uma tensão social que não se sabe até onde pode ir.

Ao fim de mais de cinquenta anos de regime os próprios responsáveis reconheceram que alguma coisa tinha que mudar e essa mudança foi materializada, para já, no despedimento maciço de mais de um milhão de empregados do Estado, algo que é absolutamente extraordinário e que, inevitavelmente, centrará as atenções do mundo naquilo que possa vir a acontecer num dos últimos bastiões comunistas.


quarta-feira, setembro 15, 2010

A “Carta do Cliente”


Há umas semanas o Diário de Notícias dava conta que as transportadoras (penso que as da área da Grande Lisboa) resolveram publicar um manual de bom comportamento nos transportes públicos, a que deram o nome de “Carta do Cliente”. Basicamente é um conjunto de regras fáceis de apreender e que, em princípio, já deveriam fazer parte das normas de conduta que todos deveríamos ter.


Coisas tão simples como não falar ao telemóvel aos gritos, dar o lugar aos mais idosos, esperar que as pessoas saiam dos transportes para só depois entrar, evitar os volumes demasiado elevados em aparelhos de som e telemóveis ou não pôr os pés em cima dos assentos, por exemplo.


Mas este manual não foi bem aceite por muita gente. Uns indignaram-se porque entendiam que estavam a querer ensinar regras de boa educação a pessoas crescidas (que se sentiram ofendidas por isso) e outros questionavam se essa publicação ia, de facto, alterar alguma coisa.


Na verdade, não creio que as normas agora publicitadas venham alterar substancialmente o vandalismo e a má educação com que nos confrontamos no dia-a-dia. Mas também não me incomoda nada esta tentativa de tornar os cidadãos mais responsáveis e com comportamentos mais cívicos. No limite, e se a irresponsabilidade persistir, esta medida pode levar a que os outros assumam claramente o repúdio por determinados comportamentos. É que a falta de civismo, patenteada pela ausência das mais elementares regras de vivência em sociedade, afecta-nos a todos.


Esta “Carta do Cliente” é, pois, bem-vinda.

terça-feira, setembro 14, 2010

A pulseira da moda


Já li opiniões de gente credível que afirma que, do ponto de vista técnico-científico, não há qualquer evidência de que a chamada “Pulseira do Equilíbrio Power Balance” tenha a mais pequena influência na vida das pessoas. Pelo menos aqueles atributos que a publicidade diz serem a mais-valia das tais pulseirinhas: darem mais resistência física, mental e espiritual. Há mesmo quem afirme que com a pulseira, ganharam mais energia e equilíbrio.


Não há como saber quem tem razão. O cientista da NASA que a criou diz que o segredo milagroso consiste num holograma quântico que ajuda o equilibro do corpo e da mente, reduz o stress e aumenta a resistência. Os cientistas, de uma forma geral, dizem que isso são tretas e que a pulseira não passa de mais um amuleto que, quando muito, tem um efeito psicológico nas pessoas. A verdade, porém, é que muita “gente ilustre” já a usa.


Por isso não tive grandes dúvidas em recomendar a um vizinho lá da rua, que eu via por vezes aos ziguezagues, que usasse a pulseira mágica que bem poderia ajudá-lo a manter o equilíbrio.


Só dias depois do homem ter comprado a pulseira (e continuar aos ganguiões pela calçada) é que me disseram que ele abusava da bebida.


segunda-feira, setembro 13, 2010

A humildade de um Mestre

Toda a gente sabe que Manuel de Oliveira apresenta sempre novos filmes no Festival de Veneza e, a maior parte das vezes, a concurso. Não é pois de estranhar que este ano lá tenha estado de novamente.


O que é novo, isso sim, é que este ano, o filme que realizou, uma curta-metragem de cerca de 18 minutos – Painéis de S. Vicente de Fora – tenha sido incluída, por decisão do júri do concurso, na secção “Horizonte”, onde, supostamente, são agrupados os realizadores que reflectem as novas tendências do cinema mundial.


Mas novas tendências num realizador que está prestes a comemorar os 102 anos de idade, tem 7 décadas de profissão e é o mais antigo realizador de cinema em actividade em todo o mundo? Pois é, para que vejam …


Porém, aquilo que mais me impressionou foi a humildade da resposta quando lhe perguntaram se ele não achava curioso que o tivessem incluído naquela secção, logo ele um realizador com tantas provas dadas e com uma idade veneranda:


“Para mim não é curioso, eu estou sempre a começar …”





sexta-feira, setembro 10, 2010

Os ricos que paguem a crise


Ouvir a expressão “Os ricos que paguem a crise”, eivada, se possível, de um tom agressivo é fazer-me recuar umas décadas até aos idos anos 80 do século passado, quando a UDP inventou esse slogan que foi atravessando gerações.


Actualmente, porém, e ainda que ergamos vigorosamente o braço (o esquerdo ou o direito, conforme as convicções políticas) e gritemos a plenos pulmões que são os ricos que devem pagar a crise, o problema é saber a quem nos devemos dirigir.


Se é verdade que todos os anos vamos tendo mais ricos em Portugal (na generalidade dos casos ninguém sabe como é que conseguem lá chegar), também é verdade que os verdadeiros ricos, os tradicionalmente reconhecidos como tal, estão em verdadeira baixa de forma. Isto a avaliar pelos números que foram publicados recentemente pela revista Exame que dá conta que, de uma forma geral, os mais ricos “empobreceram” nestes últimos três anos. De facto, passaram de um total de 20 600 milhões de euros em 2007 para 14 700 milhões este ano, o que significa uma quebra de 6% em relação ao ano anterior e de 28,5% relativamente a 2007. Coisa, que ainda assim, não os preocupará por aí além, presumo.


Donde, temos um problema para resolver. Ricos, procuram-se. Dão-se alvíssaras a quem os encontrar. Até lá, desconfio bem que teremos que ser nós a pagar a crise. E não adianta estar de má cara …

quinta-feira, setembro 09, 2010

Voltámos ao frango … sem piripíri

Não há uma só vez que vá ao Algarve que não almoce ou jante num restaurante chamado “Churrasco” que fica na Guia, ali perto de Albufeira.

Mas eu falei em restaurante? Se calhar exagerei, porque um restaurante tem normalmente uma ementa, uma carta, um folheto, uma lista, uma ardósia, seja o que for, com a discriminação dos diversos pratos, os do dia, as especialidades e os que não sendo do dia se podem mandar confeccionar no momento.

Pois àquele estabelecimento, as pessoas vão propositadamente para comer o conhecido “Frango da Guia”, que vem sempre acompanhado de batatas fritas e salada. Não há que enganar.

Não quer dizer que não haja alternativas ao frango. Há, de facto, mas a especialidade da casa é o frango assado da Guia, e quase me atreveria a dizer que mais de 90% dos pedidos vão para o frango. De tal maneira isto é assim que há uns anos, íamos a entrar e um empregado atirou-nos de supetão e sem aviso prévio “É com ou sem?...”. Soubemos mais tarde que no seu linguajar, a criatura queria apenas saber se nós queríamos o frango com ou sem piripíri.

Como já perceberam, o restaurante (lá estou eu) é o mais informal que se possa imaginar e não existem ali aquelas (pequenas) coisas que poderíamos apelidar de cortesia, ou de simpatia ou, muito simplesmente, de bom atendimento. Pelo menos quando a freguesia é muita.

Já sabíamos isso quando lá fomos no Verão do ano passado mas, mesmo assim, insistimos na dose. Ao entrar o patrão atirou-nos em jeito de aviso “olhe que hoje isto está um bocado demorado”. E estava, realmente. Na verdade, não se deviam criar grandes expectativas num dia 16 de Agosto, em que havia muita gente a começar as férias e outros a terminar. Apesar de tudo, arranjaram-nos uma mesa quase de imediato. O pior viria a seguir.

Sem que alguém tivesse culpa disso (sejamos justos) é preciso que se diga que tivemos algum azar com os vizinhos de uma mesa comprida que ficava junto à nossa. Toda a gente falava ao mesmo tempo e, para se ouvirem bem, berravam. Os miúdos que ora gritavam, ora choravam, ora corriam entre as mesas dando safanões nas cadeiras mais próximas (as nossas), estavam numa de tocar toda a espécie de “instrumentos” que os paizinhos lhes tinham posto à disposição para se distraírem.

Como se percebe, barulho e confusão não faltaram enquanto esperávamos que nos servissem. Bem, o patrão já tinha avisado que o serviço estava demorado. Mas lá trouxeram umas “azeitonitas”, pão e umas imperiais.

Esperávamos o mais pacientemente que conseguíamos, olhando “enlevados” para o concerto a quatro mãos que mãe e filho executavam com determinação na pele ressequida de um tambor, de onde saiam sons profundos e ensurdecedores.

Por fim, lá veio o frango – sem piripiri, como pedíramos – e aproveitámos para encomendar mais uma rodada de imperiais. Ou seja, encomendar, encomendámos, por diversas vezes e a diversos empregados, mas ninguém nos ligou a mínima, pelo que acabámos por comer os franganitos até ao fim e a seco.

Os empregados corriam entre as mesas, demonstrando muito boa preparação física mas nenhuma eficácia. Os dois filhos dos donos andavam mais ou menos a ajudar a família, mas os resultados eram praticamente inexistentes. Era a confusão generalizada e a perplexidade de quem esperava ser servido.

Quando vi a patroa aproximar-se, retive-a delicadamente e disse-lhe “Isto hoje está um bocado desorganizado, não está?”, ao que ela respondeu “Não me diga nada. Tem sido um entra e sai das pessoas que acabam as férias e as outras que as começam agora e, a juntar a isso, como hoje choveu, as pessoas não foram para a praia e lembraram-se de vir para aqui”

Pois é, não tinha pensado nisso. Ter que aturar todos aqueles infelizes que se lembraram de ir almoçar ao seu restaurante só porque as praias estavam molhadas não lembraria ao diabo. Pobre senhora.

A vida é assim! Então, aquela gentinha de mau feitio não podia ter ido para o cinema, ou para o supermercado? Não, parece que foi combinado e foram todos apoquentar a pobre da proprietária que tem um restaurante aberto ao público e que, supostamente, deveria ter ficado muito contente de ouvir a caixa registadora a facturar mais do que inicialmente previra.

Não querendo abusar da presença dela ali junto de mim, pedi-lhe o favor de nos trazer a carta das sobremesas. Resposta: “O melhor é você ir ali ao balcão para ver ao vivo e a cores as sobremesas que temos”.

E pronto, cá o “você” levantou-se e foi ao tal balcão escolher as sobremesas.

Faltavam ainda os cafés. Com jeitinho, não fosse ele ofender-se, a minha sogra disse ao empregado que passava que queríamos três cafés ao que o rapaz respondeu “Minha senhora, também eu quero muita coisa ... mas como é para a senhora...”

Paga a conta, saímos dali o mais depressa que pudemos, saturados de tanto barulho, confusão e mau serviço e safámo-nos para o ar fresco. Aliviados sim, mas, ao mesmo tempo convictos que iríamos voltar...

E este ano voltámos de novo.

terça-feira, setembro 07, 2010

Quando nunca há culpados


Já depois de ter escrito o post anterior, li no “Expresso” um artigo escrito pelo jornalista João Garcia, que começava assim:


“Quando as coisas correm mal na Justiça, responsabiliza-se quem? O Ministro da Justiça não, que não tem qualquer ascendente sobre juízes e procuradores e as leis fundamentais são da Assembleia da República; os conselhos superiores das magistraturas também não, pois as suas áreas de intervenção são limitadas; o PGR muito menos, quanto mais não seja porque nunca se consegue perceber se a culpa é das leis, dos tribunais, dos procuradores ou das polícias …”


Estão a ver? Para além do ritmo (lento) da justiça, também não se conseguem assacar quaisquer responsabilidades aos seus principais agentes, quer pelas demoras, quer pelo mau trabalho executado ou pelos prejuízos pessoais e colectivos que provocaram. Enfim, nunca há culpados. Perante isto quem é que acredita de que “a culpa não pode morrer solteira”?


segunda-feira, setembro 06, 2010

Uma inevitabilidade?


Por ter estado de férias, ainda não tive a oportunidade de comentar a brilhante conclusão do relatório feito por dois procuradores do Ministério Público àquela história tão badalada do “Freeport”. Mas, uma vez que estamos em plena época de “rentrées”, acho que ainda vou a tempo de recordar o assunto dado que não se desvaneceu completamente a grande desilusão de muito boa gente. Afinal, depois de tantos processos de intenção, não conseguiram provar o que quer que fosse contra o primeiro-ministro. Após seis longos anos de investigação, o MP limitou-se a concluir que não havia matéria para acusar o primeiro-ministro. Os procuradores apenas referiram que gostariam de ter ouvido José Sócrates mas não tiveram tempo. Meus Senhores, não tiveram tempo em seis anos?


Acabada (?) que está a questão, duas dúvidas porém permanecem. Será que não houve mesmo o dedinho de Sócrates naquela salganhada toda? E será que, nas últimas eleições, José Sócrates não terá perdido a sua segunda maioria absoluta, justamente porque ele era suspeito de corrupção?


Por estas e por outras é que não posso aceitar como normal a lentidão da nossa justiça. Ao contrário do que parece passar-se com o Presidente da República que afirmou “termos que aceitar o ritmo da Justiça”, como se estivéssemos perante uma inevitabilidade. E não me parece que tenha que ser assim. Não será certamente.


sexta-feira, setembro 03, 2010

Uma côdea que me custa a “engolir”

O preço do pão aumentou recentemente. A carne, o leite e os ovos também já estão mais caros. Outros produtos de primeiríssima necessidade deverão levar o mesmo rumo e já se fala que o café e o cacau poderão ser os próximos. E por já estarmos demasiado habituados a sucessivos aumentos (como se de uma fatalidade se tratasse) é frequente ouvirem-se em entrevistas de rua pessoas simples afirmarem, de forma igualmente simples e de sorriso resignado, que “é normal que aconteça, tudo sobe, não é?”.


Pode até ser. Na verdade, ao subirem os preços das matérias-primas os produtos que delas derivam são também mais caros. Mas, como costumo dizer, se o preço do whisky subir que nem que seja dez euros por garrafa o incómodo que provocam é quase nada. No entanto, se a carcaça custar mais um cêntimo e meio (como agora aconteceu) dá uma mossa dos diabos nos orçamentos de quem vive com mais dificuldade.


E o pior é que, também eu, já começo a achar que é normal que os preços das coisas subam todos os anos. Mas não tem que ser assim.


Basta o mercado de futuros de Chicago anunciar que o preço do trigo vai aumentar (devido a um facto qualquer que muitas vezes nada tem a ver com o mau ano agrícola, as chuvas, as secas ou as pragas de gafanhotos) para que esse aumento se sinta de imediato (muitas vezes ainda na mesma semana) no preço do pão em Portugal.


É, mais uma vez, a velha questão da especulação. E essa é a côdea que me custa a “engolir”.


quinta-feira, setembro 02, 2010

Os “franciús”


Sobre os portugueses emigrados em França, os “franciús como lhes chamo, a que eu fiz referência na última crónica, gostaria, ainda, de dizer o seguinte. É que se aqui há uns anos eu dava um certo desconto ao ar emproado que ostentavam quando vinham passar férias à “santa terrinha”, pavoneando-se em carros vistosos de boas marcas e tentando impressionar os pategos cá do burgo com umas quantas palavras francesas – as “vacances”, as “fenêtres” das “maisons” e as “voitures” - hoje não tenho a mínima pachorra para os aturar. Os tempos são outros e as pessoas também são outras.


Dantes eram os emigrantes de primeira geração que regressavam todos os anos a tempo de assistir às festas das suas aldeias. Tinham, maioritariamente, pouca instrução e, porque a vida lhes correu de feição lá fora, exprimiam uma certa vaidade em fazer sentir aos de cá que tinham triunfado na vida. A esses, achava-os provincianos mas admirava-lhes a coragem de terem dado o salto e de terem trabalhado duramente para conseguirem melhorar de vida.


Hoje, porém, os “franciús”, já constituem a segunda, a terceira e até a quarta geração de emigrantes. Já nasceram lá, já tiveram oportunidades semelhantes aos franceses de gema, já estudaram, já tiveram acesso a empregos mais qualificados que os seus familiares mais velhos. Tinham obrigação de serem mais civilizados e mais inteligentes a ponto de não se quererem passar por aquilo que realmente não são. Nota-se, em muitos casos, uma arrogância profunda que, quiçá, assimilaram dos próprios franceses. Até compreendo que falem sobretudo o francês – afinal já nasceram ou estão por lá há séculos - mas custa-me aceitar que usem a língua unicamente para tentarem impressionar. Só que, às vezes, o tiro sai pela culatra. Como nesta história verdadeira que se passou ali para os lados de Aveiro.


O automóvel com matrícula francesa estava estacionado em lugar não permitido. O agente da GNR estava a passar a respectiva multa quando apareceu o proprietário do veículo que tentou, em francês, dissuadir o guarda. Gesticulava muito e falou sempre em francês até que, por falta de resposta do GNR que aparentemente não o percebia, exclamou em português “estou a ver que vai mesmo multar-me…”.

Resposta imediata do agente “Oui, oui”.


quarta-feira, setembro 01, 2010

Diálogo improvável


Em Agosto o Algarve está sempre impossível. Tem demasiada gente para meu gosto, muitos portugueses, muitos estrangeiros (este ano um pouco menos) e muitos “franciús”. Franceses (dos originais, dos puros) também, mas os “franciús” a que me refiro são, como perceberam, os emigrantes portugueses radicados nos países francófonos que, nesta altura, pululam por lá como formigas e que fazem questão de nos encher os ouvidos com uma singular e barulhenta misturada linguística onde as palavras em francês se alternam e sobrepõem desordenadamente com o português.

A acrescer a toda esta confusão o calor insuportável só veio desajudar. Por isso não admira que quem trabalha em contacto com o público se desoriente um pouco mais do que é recomendável e … aceitável.

Daí que aconteçam conversas tão estranhas como esta:

Na padaria

Eu – quero um pão algarvio, por favor

Empregada – não sei se temos, às vezes os pães vêm do Alentejo

Eu – Bem, se não há pão algarvio, levo um alentejano

Outra empregada que devia ser a encarregada (em tom firme, a roçar a grosseria) – aqui todos os pães são algarvios

Empregada (a que me estava a atender) – afinal só temos pães algarvios. Quer algum?

Eu – Sim, se faz favor, a minha ideia é essa desde que aqui entrei …

O diálogo (verídico) seria improvável noutra época. Mas, com todo este calor, já não sei o que diga …