sexta-feira, abril 13, 2007

Falando de Viagens


Nunca acho demais falar sobre viagens e, hoje, vou recordar uma história verídica, que se passou precisamente à volta desse tema e a forma como se encara a organização das mesmas, que difere, naturalmente, de pessoa para pessoa.

Quem me conhece, sabe quanto gosto de viajar e do prazer que tenho em preparar uma viagem. E, porque disso não faço segredo e porque me entusiasmo bastante quando estou em processo de criação, um dia um colega (que eu não digo o nome, mas que alguns já estão mesmo a ver quem é) perguntou-me quanto tempo, em média, é que eu dedicava à preparação de cada viagem que me propunha fazer.

Num impulso respondi-lhe que, para mim, a preparação de uma viagem levava normalmente um ano. Claro está que àquele meu colega, que, aliás, também gostava de viajar, mas que era aquele tipo de pessoa que nós consideramos um “cinzento”, uma daquelas pessoas que tudo complica e que faz com que as coisas fáceis, pareçam o mais terrível dos problemas, enfim, um tipo que, como se costuma dizer, é um grandessíssimo chato, embora boa pessoa, a resposta saiu-me de pronto, e exageradamente exagerada, mas eu tive um prazer enorme em deixá-lo de boca aberta.

“Um ano?”, exclamou…

É verdade, uma ano, mais coisa menos coisa. E, perante a estupefacção dele, expliquei:

Bem vê, os primeiros sete meses são dedicados à escolha do destino, do meio de transporte a utilizar, à análise dos custos prováveis e do suporte financeiro necessário, à procura dos consensos que possam satisfazer os gostos de todos os que irão participar na viagem, à pesquisa nos muitos sites da Internet dos pontos de maior interesse para visitar, nomeadamente o património da cidade ou da região escolhida, como igrejas o outros monumentos, museus, miradouros, enfim, o que houver para ver. Depois e para certos países, a procura passa pela ida às próprias embaixadas ou aos representantes desses países em Portugal. A seguir há que construir um orçamento muito mais rigoroso do que o primeiro e, tanto quanto possível, com uma fiabilidade muito próxima dos 100%, para depois contactar e contratar a viagem com uma agência de viagens, se for caso disso, e assegurar o bom andamento do processo quer quanto a voos quer quanto a hotéis. Há, também, que começar a elaborar um guião de viagem (já existem alguns livros de viagem para certos países ou cidades mas todos eles ou são demasiado genéricos ou imensamente chatos e nunca – nunca – são organizados ao nosso jeito) guião esse, que nos vai permitir ter um conhecimento muito aproximado do que iremos encontrar.

“Mas é necessário ser-se assim tão rigoroso nesse livro que, mais parece ser um manual?” Perguntou receoso o meu colega, ainda mais estupefacto que há pouco.

Claro que sim, continuei a exagerar, é nesse guia que podemos incorporar o que nos der na real gana, tudo aquilo que a nossa imaginação ou a nossa curiosidade entenda, tal como a história do país e das cidades que vamos visitar, a descrição dos monumentos mais significativos, os museus mais importantes ou aqueles que tenham as exposições que mais nos pareçam interessantes, a gastronomia local e os restaurantes aconselhados, os tipos de transportes existentes e o estudo das melhores ligações entre os vários pontos que pretendemos visitar, os espectáculos previstos para a época, o tempo que costuma fazer, o conhecimento do custo médio de vida e do valor aproximado dos bilhetes dos transportes, dos museus e dos restaurantes, a elaboração de um plano diário de visitas para que se verifique um aproveitamento mais adequado do tempo, a elaboração de uma lista de contactos úteis como moradas e telefones das embaixadas ou dos consulados, dos hospitais e centros de saúde, polícia, companhias de seguros, etc.
Ainda neste período, há que não esquecer os documentos necessários à viagem, como passaportes e respectivas validades, visos ou vistos de entrada para certos países, vacinas, revisão do carro (se esse for o transporte) e não esquecer nunca de confirmar que todos os assuntos e contas por pagar têm que ficar assegurados antes de sairmos.

“Bolas, nunca pensei que fosse necessária tanta coisa … eu também costumo viajar, mas, palavra de honra, eu nem fazia ideia que…“

Eu juraria que o meu colega, homem de pouco mais de metro e meio de altura, tinha ficado nesse momento com alguns centímetros a menos. Estava estarrecido, mais, estava aterrado.

Continuei, então, para dizer que, só depois, é que a viagem propriamente dita começava, o que podia durar vinte dias, duas semanas, às vezes só uma semana ou pouco mais, dependendo, enfim, de uma série de factores.

Por fim, e nos restantes quatro meses do ano, é o tempo que se destina à revelação das fotografias, à sua classificação e arrumação em álbuns e à montagem dos filmes de vídeo.

Quando acabei, o meu colega estava lívido. Que loucura, terá pensado. Estar um ano preocupado com a porcaria de uma viagem de uns quantos dias, quando para ele, viajar era apenas isso mesmo. Meter-se num transporte e ir a qualquer lado.

O que eu nunca lhe contei é que a tal preocupação, falida que estava a ideia do turismo do bronze, porque já se não usa nem a cor nem o conceito, me dava um gozo enorme e dava-me também a possibilidade de enriquecer os meus conhecimentos durante a pesquisa a países e povos, enfim às culturas locais dos sítios que ia conhecer.
Quando partia, já levava um capital de conhecimento que me permitia abrir outras portas e que me deixava apreciar, de uma forma muito mais proveitosa, os locais a descobrir.

Para além do mais, o meu colega desconhecia, certamente, a frase de José Saramago:

“O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E, mesmo estes, podem prolongar-se em memória, em lembranças”.

1 comentário:

Anónimo disse...

Oh meu, não fazia ideia nenhuma que viajar dá uma trabalheira dos diabos. Mas aviso-te já que quem não gostou nada daquilo que disseste foi a minha Etelvina. Nada mesmo.

Quando lhe contei que já não íamos a Torremolinos porque eu não tinha preparado a viagem como deve ser, ela atirou-se ao ar e atirou-me também com uma jarra que estava mesmo à mão. Então agora que já tínhamos comprado os bilhetes do Expresso e que ela já tinha feito uns pastéis de bacalhau para o caminho, agora íamos desistir só porque eu tinha lido umas parvoíces não sei aonde?

Já sabes. Quando nos encontrarmos não te admires que a Vina olhe pro lado e nem sequer te cumprimente. Tens que compreender que ela que nunca foi ao estrangeiro e que tinha tanta vontade de conhecer Torremolinos ...