terça-feira, fevereiro 04, 2014

A colecção de Miró "herdada" do BPN



Já foi há uns anos. Lembro-me que parámos um pouco junto à Catedral de Barcelona e, ao olhar para uma banca de venda de serigrafias de artistas conhecidos, centrámos a nossa atenção sobre um quadro de Miró. A minha filha, então adolescente mas desde sempre virada para as artes, falava entusiasmada da obra do artista perante a minha manifesta insensibilidade que apenas conseguia visualizar nos quadros do pintor surrealista catalão riscos que poderiam ter sido feitos por crianças de uma pré-primária.


A "discussão" arrastou-se pelo dia inteiro e, apesar da argumentação da filha, não me deixei seduzir pelo traço de um pintor e escultor que foi mundialmente famoso.


Porém, de repente, Joan Miró fez-me despertar. Não que eu tivesse começado a apreciar o seu traço, mas por que, como cidadão, acho questionável a venda das 85 obras do artista, uma das coisas que nos ficaram daquele elefante branco chamado BPN. Venda que, em princípio, vai acontecer hoje e amanhã num leilão promovido pela Christie's, em Londres.


Eu sei que a arte não é um mero activo financeiro mas sei também que o Estado precisa de dinheiro como de pão para a boca e, como habitualmente, dispara em qualquer direcção para sacá-lo. E como viu uma boa oportunidade de vender umas pinturas, desenhos, colagens e guaches de um artista que não sendo de topo é, em todo o caso, reconhecido internacionalmente, vá de pô-los a jeito dos coleccionadores mais endinheirados. Na perspectiva, claro está, de vir a embolsar entre 35,9 e 80 milhões de euros.


Ao que parece esta manobra "atropela" a Lei de Bases do Património Cultural mas, para além disso, a colecção tem, efectivamente, um valor apreciável do ponto de vista artístico e cultural. E é aqui que está o busílis. Será aceitável esta venda para recuperar algum dinheiro do muito que, nós contribuintes, enterrámos na nacionalização (e, depois, na privatização) do BPN? Ou, será mais ajuizado mantermos a colecção de Miró em Portugal como uma mais-valia para a nossa cultura e como pólo de atracção turística, muito embora a indemnização que teríamos que pagar à Christie's (por transportes e seguros) ainda fosse de alguns milhões de euros? Terrível dúvida esta.


Que saudades daquele dia longínquo em que, junto à Catedral de Barcelona, eu e a minha filha discutíamos a arte de Joan Miró.


1 comentário:

Anónimo disse...


frase de uma crónica sobre o mesmo tema publicada no blog 4República:

"Esta estória das obras de Miró tem contornos que seriam anedóticos se não revelasse a tragédia de um País entregue a gente imatura e acima de tudo impreparada".