Confesso que não gostei nem um pouco do novo anúncio que foi lançado na última sexta-feira, integrado numa campanha publicitária organizada em parceria pela Galp Energia e pelo Ministério da Administração Interna, e que visa sensibilizar os automobilistas para a principal causa de mortalidade nas estradas: o excesso de velocidade.
Como com certeza já viram, o anúncio mostra miúdos a entrar para um avião. Já no interior, alguns olham através das janelas. Uma garota parece penetrar o infinito com os olhos vagamente tristes, enquanto o avião inicia a descolagem.
A frase final do anúncio, aliás o seu mote, é “Todos os anos a velocidade nas estradas vitima um avião cheio de crianças”.
Desadequado é capaz de ser um termo que não traduz bem o que o comum dos cidadãos sente, quando vê um anúncio que tenta chamar a atenção para tantos mortos na estrada com um avião que descola.
Para mim, parece-me que o anúncio pretende chamar a atenção, isso sim, para alguma coisa que tem a ver com aviões. Sei lá, talvez a segurança do meio de transporte, talvez os ganhos de tempo de ligação entre dois lugares, quem sabe se os preços praticados por uma companhia aérea? Mas para lembrar que a velocidade mata ... na estrada?
E depois temos a falácia, já de si condenável, que pretende carregar a situação com cores ainda mais negras do que elas são na realidade. Um avião como aquele que a imagem mostra, transporta qualquer coisa como quatrocentas pessoas. O que faz pressupor, seguindo a ideia do anúncio, que todos os anos a lotação daquele avião (quatrocentas crianças) representa o número de vítimas mortais nas estradas portuguesas. E isto é manifestamente um embuste. No ano passado morreram vítimas de acidentes de viação, vinte e sete crianças.
Acho louvável que a Galp Energia, cuja actividade tem uma relação estreita com a circulação automóvel, queira promover e financiar campanhas de prevenção e de segurança rodoviária, mas é necessário que o faça com sensatez, o que parece não ter acontecido neste caso.
Sensatez que parece ter faltado, também, aos criativos da BBDO, a agência autora do anúncio, que não souberam (ou o cliente não deixou, vá lá saber-se) adequar uma acção que deveria ser pedagógica, para dar à luz a um anúncio de profundo mau gosto.
Uma nota final para o outro parceiro da campanha, o MAI, que vai gastar um milhão de euros na compra de espaços publicitários em televisão, imprensa e rádio e que esgota, de uma só vez, toda a verba disponível para este ano, deixando sem qualquer apoio estatal todas as organizações envolvidas na prevenção rodoviária.
Resumindo, esta é uma campanha infeliz. Infeliz por parte do MAI porque há uma deficiente gestão dos dinheiros públicos. Infeliz por parte da Galp que aceitou a forma como a campanha foi delineada. E duplamente infeliz por parte da BBDO, de quem se esperava muito melhor, pela campanha em si e porque esta mesma campanha é a cópia integral de uma outra apresentada no estrangeiro em que o mote era “Todos os anos a malária vitima um avião cheio de crianças”, em que nem sequer se deram ao trabalho de arranjar imagens um pouco diferentes para, pelo menos, disfarçar. Um perfeito plágio e uma enorme falta de ética.
7 comentários:
Em relação a este tema, várias coisas há a dizer.
A primeira é que esta campanha é óptima para por tudo o que é companhia aéria a esfregar as mãos de contentamento com a possibilidade de processar os autores da mesma. Coisa que, aliás, parece que já começou a acontecer.
No que toca ao número de crianças que efectivamente morrem na estrada e as que um avião daquele porte tem capacidade de levar, parece-me irrelevante. Para ser sincero, nem tinha pensado se seria um número semelhante ou não. A utilização de um avião (seja ele grande ou pequeno) para uma estatística que reflecte um problema que se verifica na estrada também não desvia as atenções nem confunde. Pode não ficar claro à primeira, mas a mensagem acaba por passar. O avião é o elemento que confere maior dimensão ao drama. Podia ter sido uma metáfora um bocadinho mais trabalhada, mas esta também não é completamente desadequada.
Por fim, o plágio. Goste-se ou não desta campanha (pessoalmente, não sou fã) o que se passa é um pequeno escândalo. Plágios acontecem a cada 10 minutos, infelizmente - uns mais subtis, outros mais descarados. Normalmente quando são descobertos (o que é frequente) ficam entre o meio, mas quando são cópias vergonhosas de uma ponta à outra, feitas na esperança de se poder vir a brilhar sem se ter muito trabalho e tomando os colegas, os clientes e o público por papalvos, o caso é mais sério.
Aqui, com a agravante de se tratar de uma campanha com bastante visibilidade e financiada em parte com capitais públicos. O senhor Bidarra e os seus apóstolos (BBDO) deviam ter tido - senão sentido ético - então, pelo menos, mais cuidado. Esquecem-se que vivemos na era da informação e que o acesso à internet é o pão nosso de cada dia de cada vez mais gente.
E o pior, é que nem copiando conseguem fazer melhor que o original. Ou seja, é igual à outra, mas em mau.
Para quem não viu, descubra aqui as diferenças.
O picanço:
http://www.mai.gov.pt/media/video/tv_galp_mai.mpg
E o original:
http://www.worldswimformalaria.com/downloads/wsm_ns_1000kbps_DL.mov
Meu Caro Porcos no Espaço
Genericamente estou de acordo com o teu comentário. Discordo, no entanto, quando dizes ser irrelevante a relação que se fez entre as crianças que morrem na estrada com o número de pessoas que podem ser transportadas num avião como aquele que aparece na imagem.
E isto porque, quando se olha para o filme e vemos uma bizarma daquelas a levantar voo, ao mesmo tempo que ouvimos que todos os anos a velocidade nas estradas vitima um avião cheio de crianças, o que pensamos imediatamente é que em cada ano morrem centenas e centenas de crianças (as que são transportadas no avião) nas estradas em Portugal, o que não é verdade. O que torna o impacto da mensagem ainda mais aterrador. Então, se era só para se ter uma ideia da gravidade do problema, porque é que não se serviram de um Falcon, que é um avião muitíssimo mais pequeno, que só pode levar, quando muito, umas dezenas de crianças? Pretendeu-se impressionar carregando de preto uma estatística que, já de si, é negra. Penso que não é com este tipo de abordagem que se consegue fazer chegar a mensagem. Ainda por cima uma mensagem que é muito importante e que visa combater um problema grave.
A terminar, agradeço teres disponibilizado para todos, os endereços dos dois anúncios.
Perdoem-me a pergunta, mas o objectivo deste tipo de campanhas não é precisamente provocar reacções de choque e indignação, um pouco no sentido de "não vai a bem vai a mal"? Ou seja, conseguir o que as campanhas de sensibilização mais moderadas não fizeram: exagerar e GRITAR para que as pessoas finalmente se apercebam do que se passa e alterem os seus comportamentos. Isso é que é realmente importante. Se usam um avião ou um barco ou um comboio ou ... seja o que for ou se repetem uma ideia já utilizada é realmente importante? Ou o que interessa é dizer a essas pessoas que continuam a não proteger as nossas crianças (seja porque os pais não têm a preocupação de lhes pôr o cinto, ou ensinar-lhes como se atravessa a estrada, ou porque existem verdadeiros assassinos a conduzir) que CHEGA!!!! Morrem demasiadas crianças (1 já é demais por isso até podiam ter utilizado uma bicilcleta para fazer o anúncio) por falta de cuidado. E isto é que é importante. Parece-me que estão a discutir o embrulho e nem viram o conteúdo!
Ora bem, não me vou dar a trabalho de tentar escrever de outra forma o que a Maria acabou de escrever aqui. Seria estar a criar um novo embrulho para o mesmo conteúdo...
A mensagem está lá! Agora que cada um faça o que quiser com ela. Eu por mim, vou tentar não a esquecer sempre que tenha à minha responsabilidade a segurança de uma criança.
Convém deixar bem claro que o Estado PAGOU bom dinheiro por aquela ideia. O Estado - ou seja, nós todos, fomos aldrabados ao comprar uma ideia copiada. Do ponto vista económico, não me parece lá muito bom negócio; e do ponto de vista ético nem vou comentar.
Já do ponto de vista criativo, esta campanha é simplesmente pobre. E não é pelo facto de ser um avião grande, pequeno, um barco, uma furgoneta ou uns patins em linha - pessoalmente até acho que um avião grande tem mais impacto do que outro transporte qualquer - mas é a ideia e o tipo de campanha em si. Para mim não passa mensagem, é apenas outra campanha negativa baseada em estatísticas frias e com o toque humanizado das crianças, portanto, mais do mesmo. Uma causa como esta pedia outro tipo de comunicação e outra utilização de meios, mas és muito mais fácil picar um anúncio já feito e dar o caso por encerrado porque a agência tem mais clientes para atender.
É só mais um filme que vai passar, e que vai ficar na memória por ter sido plagiado. Perdeu-se uma boa oportunidade para tentar mudar alguns hábitos.
Acreditem que se há coisas de que eu gosto muito é de uma boa discussão, mas uma discussão civilizada, entenda-se. Como não é fácil obter-se unanimidade de opiniões é, pelo menos, desejável que as discutamos com elevação e inteligência, ainda que tenhamos quase a certeza de que, no fim, cada um fica com a sua.
E é por isso que volto à carga, esquecendo agora as questões (embora muito importantes) da má gestão e da falta de ética, para reforçar a minha opinião de que a forma como a mensagem pretendeu ser passada foi desastrosa. Não é por se gritar muito que nos fazemos ouvir e obedecer mais depressa. Não é por colocar a situação com aquele matiz tão carregado que, a partir de agora, vamos todos ser uns “anjos do volante”.
Para mim, os resultados acabarão por aparecer se houver campanhas continuadas e bem direccionadas ... nas escolas. Como em tudo, de resto, a base é a educação. Mais educação que, espera-se, trará mais cidadania que, por sua vez, nos fará ter mais consciência ao volante. Aí sim, diminuirão os acidentes e as vítimas, sejam crianças ou adultos. Só que tudo isto leva muitas gerações a surtir o efeito desejado.
No entanto, se insistem que são as imagens de choque que catapultam as vontades das pessoas e a alteração dos seus comportamentos, então sugiro que um próximo anúncio nos mostre imagens reais, com vítimas reais de um desastre a sério ... de carro ou de avião.
O anúncio é bom. Se a discrepância entre o número de lugares do avião e o número de mortos é assim tão grande é que está mal. Estão a mentir deliberadamente. Não gosto que me mintam, por muito boas que sejam as intenções. Há quem invada países baseado em mentiras e depois venha dizer que a intenção apesar de tudo era boa. Não aceito.
Agora se o anúncio é copiado é uma questão de direitos de autor. A empresa lesada que instaure um processo. No entanto, que reais prejuízos houve nesta situação? Os "produtos" não são concorrentes. Publicidade, cinema e todas as outras áreas estão recheados de cópias de ideias. Há mais que um site que disponibiliza blogs, não há? No entanto houve um primeiro e depois muitos outros fizeram o mesmo, certo?
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