A história do Benvindo cruza-se com a minha própria história dos tempos de infância e juventude. Conheci-o ainda miúdo na aldeia da minha mãe para onde eu ia todos os anos passar o Verão. Corríamos, jogávamos a bola, brincávamos com a despreocupação própria dos nossos tenros anos.
Benvindo era filho de uma família muito humilde. No entanto, e apesar da falta de perspectivas que, nesse tempo, era comum à maioria dos miúdos das aldeias, notava-se nele uma ambição que mal conseguia disfarçar. De facto, era notória a atitude que transparecia na forma como jogava o futebol ou nas corridas que fazíamos rua acima rua abaixo, sobretudo pela mais íngreme da terra, a Rua Direita, que por acaso era a que, de todas, mais curvas tinha.
Já adolescente, essa ambição fazia-se sentir ainda mais fortemente, sobretudo no modo como tentava impressionar as raparigas, quase todas estudantes na capital e que viam nele um pobre coitado, sem dinheiro e sem estudos e, que desdenhavam por ser desengonçado e de fraca beleza, pelo menos aquela que correspondia aos cânones exigidos na época.
Estivemos muitos anos sem nos vermos. Ele ficou por lá e eu andei um pouco pelo mundo, levado pelos acasos e necessidades da vida.
Quando regressei à aldeia, quis rever esses amigos da minha juventude, aqueles poucos que tinham fugido à emigração para a Europa, para a América ou para Lisboa.
Estive, então, com o Benvindo. O olhar continuava vivo, mas agora algo perdido num corpo desgastado pelas azáfamas da vida do campo. Falámos durante boa parte da noite enquanto empurrávamos a broa e os pedaços de chouriço acompanhados do vinho carrascão oriundo de um dos lagares da aldeia.
Benvindo fez pela vida. Sempre andou no amanho das poucas terras da família e, mais tarde, foi regedor da aldeia e presidente da junta de freguesia. Era considerado pelas pessoas da povoação e dos burgos vizinhos.
Importante, considerado e muito narcisista. A tal ponto que, levado mais pelo culto de si próprio do que pela falta de estudo, mandou colocar nas duas entradas da aldeia placas bem grandes que diziam:
“Benvindo a Santa Maria”
Quando lhe disse, meio a brincar já se vê, que tinha que mandar rectificar as tais placas, porque em português, a saudação escreve-se “bem-vindo” ele sorriu e respondeu-me de imediato:
“E tu julgas que eu não sei isso? É que assim o meu nome fica para sempre na História da aldeia, percebes?"
Claro que tinha percebido. E continuámos tagarelando e petiscando alegremente.
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