Fiquei perplexo ao ler a crónica publicada pelo economista João César das Neves, no DN do pretérito dia 9 de Setembro. Percebe-se pelo texto que César das Neves não conseguiu entender a ambição natural de um povo (do antes do 25 de Abril) - que ele descreveu como "pacato e trabalhador, poupado e prudente, que se sacrificava generosamente, labutando dia e noite para cumprir os deveres, mesmo sentindo-se explorado" - em ser livre e aspirar a viver com as condições que até então lhe tinham sido negadas. E, provavelmente, também não entendeu o que se passou no pós 25 de Abril de 1974.
Não consigo ser tão expressivo (nem tão brilhante) como Daniel de Oliveira o foi na resposta que publicou no Expresso On-Line (sugiro que a leiam) mas, ainda assim, não posso deixar de manifestar a minha indignação pelas palavras de João César das Neves. Considero mesmo que ele tem uma má imagem deste povo sofrido, subjugado por tantos anos de ditadura. E isso vê-se quando ele observa que "com a revolução o tal povo já não precisava de ser pacato e trabalhador, poupado e prudente. Era um país democrático, livre, independente. A nova geração iria viver como os patrões franceses e alemães. E Portugal gastou. Criou autarquias e dinamização cultural, comprou frigoríficos e televisões, exigiu escolas e hospitais".
César das Neves acha estranho que este povo - não o seu evidentemente, a elite a que pertence tinha (e continua a ter) privilégios - manifestasse a sua alegria por ter acabado uma guerra que ele nunca quis, por ter acesso, finalmente, à educação que era destinada apenas a quem tinha posses para isso, por se poder manifestar em liberdade, por, enfim, ter a possibilidade de viver num regime democrático. Viver num país livre onde para além de se trabalhar e pagar impostos as pessoas pudessem ter esperança no futuro, pudessem decidir sobre a sua vida colectiva e, luxo dos luxos, pudessem ter escolas e hospitais e até comprar frigoríficos, televisões e outros bens de conforto. Aquelas coisas banais que César das Neves já tinha mas a que não atribuía valor por aí além.
Claro que "a euforia da liberdade política criou um problema de endividamento". Mas César das Neves esqueceu que esses momentos de maior euforia onde o "desnorte despesista" foi maior se deve em grande parte a diversos interesses, nomeadamente da banca. Mas, uma vez mais e para arrepiar caminho, tivemos de, com grandes sacrifícios ao longo de décadas, voltar a ser pacatos, poupados e prudentes.
1 comentário:
a banca, a banca, a banca, todos falam da banca, todos gostaram de usufruir dela...
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