quinta-feira, maio 07, 2009

Quando a acusação é mal formulada

Esta coisa de se andar sempre a falar mal da justiça tem que se lhe diga. Claro que não me refiro, neste momento, ao estado a que chegou a justiça no nosso país, nomeadamente no que concerne à sua morosidade e custo. Não, esses são aspectos que já se entranharam profundamente nos nossos espíritos, e de tal forma que, por força do hábito, nem reclamamos mais. Não gostamos mas acomodámo-nos.

O que eu quero dizer é que quem pensa recorrer à justiça tem que estar preparado para a possibilidade de ter que enfrentar certos enredos da lei que nem sempre são entendíveis por quem não é da especialidade.

Ora vejam este caso verídico:

Uma gatinha, de seu nome Maria, vivia com a sua dona no Bairro dos Anjos em Lisboa. Um dia, vá lá saber-se porquê, saiu de casa sem avisar e foi parar a Carnaxide. A Maria foi encontrada por uma outra senhora que se compadeceu do seu estado – presumivelmente estava ferida e maltratada – recolheu-a e levou-a ao veterinário. Enfim, cuidou dela.

Dado que a Maria era portadora de um chip com informações sobre a própria, o médico que a tratou entrou em contacto com a tal senhora dos Anjos e disse-lhe que a gata só seria devolvida quando estivesse curada.

Tanto bastou para que o verniz estalasse entre a dona inicial e a que se lhe sucedeu e o caso fosse parar a tribunal. O processo teve início há quase três anos.

Enquanto se trocavam razões e os respectivos advogados tentavam acordos impossíveis por recíproca irredutibilidade das partes, a Maria desapareceu de novo. Até hoje.


E é aqui que as coisas se complicam. Enquanto as “duas donas” continuam a disputar a posse da Maria que, entretanto, já vai a caminho de não sei onde, o Ministério Público decidiu que a questão não poderá ser julgada porque a acusação está mal formulada.

E porquê, perguntarão? Porque os factos tal como estão descritos, correspondem não ao crime de furto mas … de aquisição de coisa achada, porque falta o elemento de subtracção".

Ou seja, o juiz não pode decidir sobre um crime de furto precisamente porque o objecto/elemento/coisa roubada não existe. Seria absurdo.

Assim, e para que o julgamento prossiga, é necessário que alguém dê a volta à acusação mal formulada ou que a Maria se digne a aparecer de novo. Se não …

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