terça-feira, maio 31, 2011

Protocolos



A Rainha Isabel II de Inglaterra faz-me lembrar um antigo colega de trabalho a quem, “por fatalidade” tudo acontecia de mal. Era certo e sabido que onde ele estivesse alguma coisa ia suceder.


Também Isabel II, no seu já longo reinado, tem algumas histórias bem interessantes, nomeadamente as que aconteceram sempre que o protocolo não foi formalmente cumprido. Recordo três delas.


Na semana passada recebeu Barack Obama. Ao jantar, no final do discurso, Obama ergueu a taça para brindar à soberana quando, de repente, se começou a ouvir o hino britânico. Todos os convidados ficaram imóveis enquanto o Presidente permaneceu de taça na mão, mudo e quedo. Só quando o hino terminou é que os presentes acompanharam Obama no brinde à Rainha. Momentos infindáveis que devem ter sido terríveis.


O mesmo sucedeu quando a Rainha Isabel visitou Portugal e o nosso Presidente da República de então, Mário Soares, ao pretender indicar-lhe o caminho tocou nas costas de Isabel II, mostrando desconhecer o protocolo que diz que na Rainha não se toca nem com uma luva.


Já num jantar na Casa Branca, no tempo de George W. Bush, o Presidente lembrava num discurso a visita de Elizabeth II aos Estados Unidos em … 1776, ou seja, 200 anos antes. Ao que consta, a correcção só foi feita depois de um olhar fulminante da Rainha. Enfim, de Bush já ninguém se admirava de nada e, em matéria de gafes, todos sabem como ele era useiro e vezeiro.


O protocolo, como se percebe, tem destas coisas. Para os que estamos por fora as situações fazem-nos sorrir mas para os seus protagonistas devem ser momentos muito confrangedores.


segunda-feira, maio 30, 2011

Não me digam nada …

Ainda há tempos vos contava que a segunda-feira é o dia em que o meu mau humor mais se sente nas crónicas que aqui publico. Certamente que tem a ver com a ressaca do fim-de-semana ou com a derrota (sempre injusta) do meu clube do coração. Hoje, porém, o meu nervoso e a acidez de espírito estão devidamente identificados.


Ando irritado com o estado e com a falta de expectativas do meu país e pelo baixo nível que, na campanha eleitoral em curso, demonstram os principais líderes partidários, alguns deles que até têm a pretensão de chegar a primeiro-ministro.


Estou chateado porque o meu carro “pifou”, teve que ser rebocado e vou ter que desembolsar uma nota preta para o arranjar.


E, finalmente - e se calhar isto foi o que me fez perder completamente as estribeiras – porque soube que há 20 gestores das maiores empresas portuguesas que têm mil cargos de administração. Ou seja, em média, cada um deles tem 50 empregos mas sabe-se que pelo menos um deles tem 62 empregos e o que mais ganha aufere 2,5 milhões de euros. É obra! E não me venham com a história que estes super-trabalhadores que voam de empresa em empresa são um exemplo para todos nós. Não, não são. O que isto reflecte é a falta de vergonha a que chegámos e a necessidade de lhe pôr cobro rapidamente.



sexta-feira, maio 27, 2011

No próximo fim-de-semana lá estaremos



Marque na sua Agenda: no próximo fim-de-semana tenho que colaborar com o Banco Alimentar.


A Campanha de Recolha de Alimentos em supermercados e superfícies comerciais, levada a efeito pelo Banco Alimentar, realiza-se já no próximo fim-de-semana, dias 28 e 29 de Maio, ou seja, amanhã e domingo.


Milhares de pessoas carenciadas contam consigo.


Participe. Alimente esta ideia.


terça-feira, maio 24, 2011

E quem é que vai aceitar uma proposta destas?



Há muito que sigo com atenção as intervenções do Professor Daniel Bessa. Para além de ser um economista respeitado, admiro a sensatez da maioria das suas posições, embora, ideologicamente, as nossas convicções nem sempre apontem no mesmo sentido.


Vem este intróito a propósito do artigo que ele publicou no Expresso do passado sábado em que analisava as propostas dos partidos em baixar (ou não) a taxa social única (a TSU) como forma de aumentar a competitividade das empresas. A questão não é nada pacífica, a vários níveis, e nomeadamente quando se sabe que o abaixamento da TSU terá que ser compensado pelo agravamento do IVA.


Foi então que o Professor sugeriu a seguinte alternativa: “… aumentar o horário de trabalho em duas horas semanais. O efeito sobre a competitividade das empresas seria equivalente à redução da TSU; e não seria necessário subir o IVA, tirando o poder de compra às pessoas. Não é mais simples? Não seria melhor?”


Parece-me uma proposta equilibrada e exequível mas, meus Amigos, alguém acredita que os sindicatos e os trabalhadores alguma vez iriam aceitar uma coisa destas? Acho altamente improvável que isso acontecesse e o mais certo é que chovessem por aí argumentos do tipo “isso seria encher os bolsos dos patrões à custa dos trabalhadores”. Ainda assim, continuo a pensar que a sugestão do Professor Daniel Bessa poderia ser uma boa opção. Que diabo, duas horas a mais de trabalho por semana não seriam melhor do que pagarmos mais IVA em tudo aquilo que consumimos?


segunda-feira, maio 23, 2011

Chocou-me, pois claro



Fiquei (obviamente) irritado ao saber que no acordo com a troika existe uma medida que prevê que as IPSS vão ter que cobrar IVA aos seus utentes. Um acordo, recorde-se, que foi assinado pelo PS, pelo PSD e pelo CDS, partidos que, todos eles, dizem defender quem mais necessita.


É verdade que o Estado tem tido, há décadas, uma componente fortemente social. Porém, a conjuntura actual veio evidenciar duas coisas: as fortes dificuldades do Estado em poder manter financeiramente as suas responsabilidades, por um lado e, por outro, um número crescente de pessoas muito carenciadas que já não consegue suprir as necessidades mais básicas, nomeadamente o acesso à alimentação. E aqui o papel das IPSS tem sido fundamental na confecção e distribuição de refeições e, também, de outros apoios que, no seu conjunto, têm sido essenciais para minorar a situação de carência de muitos milhares de pessoas.


Pois bem, o Estado não tem condições para assegurar esse papel assistencial desempenhado pelas IPSS e também não consegue aumentar as contribuições para que essas Instituições façam face às despesas crescentes com o número de famílias que não pára de aumentar. Numa palavra, não há dinheiro.


Perante tamanhas dificuldades, como resolver a situação? E a resposta – aquela que foi acordada (ou imposta) pela troika - acabou por aparecer de uma forma completamente falha de sensibilidade social e de lucidez política. Ou seja, em todos os apoios prestados às famílias deve ser cobrado IVA. E a medida já de si injusta por penalizar quem está mais carenciado, ainda se mostra mais perversa quando se sabe que essas ajudas são resultantes de dinheiros dos contribuintes e dos donativos angariados na sociedade civil.


A medida é, pois, chocante. Só espero que o próximo governo arranje as alternativas necessárias para que o que foi acordado com o FMI, a EU e o BCE possa ser alterado. Certamente que com criatividade e bom senso o IVA que pensaram cobrar às IPSS possa vir a ser recolhido noutras fontes.


sexta-feira, maio 20, 2011

O recado



"Todos temos de fazer um esforço, isso é importante, não podemos ter a mesmo moeda, e uns terem muitas férias e outros poucas". Esta foi a advertência da chanceler alemã Angela Merkel aos países que já recorreram à ajuda internacional, a Grécia, a Irlanda e Portugal.


E não se ficou pela crítica ao excesso de férias destes países. Não, também opinou, em jeito de aviso, que a idade da reforma também deveria ser aumentada.


Gostemos ou não da senhora Merkel (ainda por cima uma senhora a quem nunca lhe vimos uma malinha na mão) e gostemos ou não de estar a ser feita mais esta tentativa de ingerência na nossa soberania, o facto é que a Alemanha é o motor da economia europeia e é um dos países que mais contribui para “ajudar” os que agora estão em dificuldade. Claro que aqui também poderíamos lembrar que a Alemanha é um dos principais beneficiários desta conjuntura económica mas, o que interessa recordar neste momento é o que contribuintes alemães pensam sobre nós: que trabalhamos pouco e durante menos anos e que nos fartamos de gozar férias. E desse ponto de vista, acabamos por perceber os seus argumentos.


Porém, bem podem pensar os alemães o que quiserem que a verdade é um pouco diferente e não houve, quanto a mim, razões para nos puxaram as orelhas. Se é verdade que nós temos férias de 22 ou 25 dias úteis, na Alemanha a lei impõe que as empresas concedam aos trabalhadores um mínimo de 20 dias de férias por ano, podendo este período, mercê de acordos colectivos, ser alargado para 30 dias úteis (ou mais) em muitas empresas, quer do sector privado, quer do público.
E quanto à idade da reforma? Em Portugal a reforma está nos 65 anos e na Alemanha … também. O que está previsto é que, naquele país, a idade da reforma passe gradualmente dos 65 para os 67 anos, entre 2012 e 2029. Mas, actualmente, mantém-se nos 65 anos.


Advertências que, certamente, foram injustas. Mas o recado ficou dado.


quinta-feira, maio 19, 2011

À atenção dos empresários e sindicatos


Neste último 25 de Abril, para além da cerimónia oficial que se realizou no Palácio de Belém, houve também uma manifestação de trabalhadores na Avenida da Liberdade.


Uma equipa da televisão nipónica que estava em Portugal a fazer uma reportagem sobre o nosso país aproveitou a data para fazer a cobertura dessa manifestação. Quando o repórter japonês foi questionado por um jornalista sobre o que pensava sobre as greves em Portugal e se elas tinham algumas semelhanças com as que se efectuavam no seu país, ele disse (mais coisa menos coisa) num português muito mal amanhado (mas ainda assim perceptível), entre salamaleques e sorrisos simpáticos:


“no Japão não há greves. Os empresários sabem que sem trabalhadores as empresas não progridem e os trabalhadores sabem que sem empresários e empresas não podem trabalhar. Por isso arranjamos consensos e chegamos sempre a acordo. É uma questão de bom senso”.


À atenção dos empresários e sindicatos.




quarta-feira, maio 18, 2011

Quando a responsabilidade não morre solteira

É raro, diria mesmo que é raríssimo, ver e ouvir os políticos assumirem as suas responsabilidades quando alguma coisa corre mal. Lembram-se de algum que fosse destituído do cargo que ocupa ou que fosse responsabilizado criminal ou politicamente? Não, pois não? Por isso é que se costuma dizer que “a culpa morre solteira”.


A bem dizer, nestas últimas décadas só me recordo de uma situação em que um governante português assumiu as suas responsabilidades. Foi Jorge Coelho, que, na altura, era Ministro das Obras Públicas e que se demitiu por se achar politicamente responsável pela queda da ponte de Entre-os Rios. Gesto digno, sem dúvida, mas que muita gente suspeitou tratar-se de um acto de hipocrisia (não fosse a tragédia em si) já que lhe permitiu deixar de vez a política para ir ganhar uma pipa de massa como CEO de uma empresa privada. Enfim, maledicências. De qualquer forma foi a excepção, pelo menos em políticos ocidentais onde ninguém jamais se reconhece culpado do que quer que seja.


Pois nas culturas orientais a coisa muda de figura. Veja-se o caso recente do Primeiro-Ministro japonês, Naoto Kan, que por causa do que aconteceu na central nuclear de Fukushima declarou que não quer receber o seu salário de Primeiro-Ministro e vai viver com o que ganha como membro do Parlamento. Na prática, Naoto Kan, ao assumir a responsabilidade política do desastre, vai abdicar dos cerca de 14 mil euros que recebia como chefe do governo.


Atitudes como esta são, portanto, raras. E pouco interessará saber qual a justificação que está na sua génese - se ética, questão cultural ou, muito simplesmente, vergonha na cara?



terça-feira, maio 17, 2011

E o Guerra Junqueiro voltou também ...

Para além do Eça de Queirós que evoquei ontem, também Guerra Junqueiro (1850 a 1923), escritor, político e o poeta mais popular e mais panfletário da sua época criticava – em 1896 - a situação Política de Portugal no final do século dezanove.


E vejam como a sua opinião se poderia aplicar aos partidos que temos hoje, nomeadamente aqueles que têm alternado o poder desde há trinta anos. Dizia ele:

“Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."


segunda-feira, maio 16, 2011

E o Eça voltou …

Como, repetidamente, tenho afirmado, sou um grande admirador de Eça de Queirós. Acho-o um escritor intemporal e muitos dos seus livros e textos permanecem actuais, apesar de terem sido escritos no século dezanove.


Daí que, face aos impropérios, desconfianças, ofensas, desconsiderações, faltas de sensatez e de honestidade política que temos ouvido nos últimos tempos aos nossos políticos, por um lado e. por outro, ao estado a que o nosso país chegou, à beira ou a caminho do descalabro financeiro e das condições de vida da população, eu me tenha recordado de um texto publicado por Eça. Vejam lá se concordam comigo. O texto não poderia ter sido escrito hoje?

"O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Todo o viver espiritual, intelectual, parado. O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se, envelhecida, das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce... O comércio definha, A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo."


quinta-feira, maio 12, 2011

"Primeiro estranha-se, depois entranha-se".

No último domingo comemorou-se o primeiro dia em que a Coca Cola foi vendida ao público. Passaram precisamente 125 anos (08.05.1886). Longe de se pensar que viria a ser a bebida que hoje conhecemos, começou a ser vendida numa farmácia como um xarope que fazia bem a uma série de maleitas.


Em Portugal, Salazar proibiu a venda do produto e só em 1976 foi permitida a sua comercialização. Dizem as estatísticas que hoje cada português bebe em média 24 litros de Coca-Cola por ano.


Mas o que acho mais interessante no que à Coca Cola diz respeito é o facto de poder recordar Fernando Pessoa, o poeta genial e o publicitário que também foi. Quando o refrigerante entrou no mercado português, Pessoa criou um slogan que fez as vendas do produto subirem em flecha:


"Primeiro estranha-se, depois entranha-se".


Porém, o regime de Salazar com receio do sucesso que, diziam, poderia esconder uma sociedade secreta, proibiu a sua representação em Portugal. A Direcção de Saúde de então entendeu que a frase publicitária era “o próprio reconhecimento da sua toxidade”.


Novos tempos e outras mentalidades vieram e o que ficou para a História, no entanto, foi uma das mais conhecidas e mais recordadas frases de sempre.

quarta-feira, maio 11, 2011

Tenho duas notícias. Querem saber primeiro a boa ou a má?

Quando há duas notícias para dar – uma boa e outra má – é costume perguntar se querem ouvir primeiro a boa ou a má? E o habitual (pelo menos nos filmes é assim que acontece) é que em primeiro lugar a preferência vai para a má notícia para que, de seguida, a boa notícia possa, de alguma forma, amenizar o estado de alma.


Pois bem, então, primeiro a má notícia.
O resgate a Portugal (a tal ajuda dos 78 mil milhões de euros que pedimos à comunidade internacional) foi aprovado pela Comissão Europeia, embora ainda tenha que ser ratificado pelos ministros da zona euro. Vamos pagar o empréstimo ao longo de 13 anos mas - e é aqui que reside o busílis - a taxa de juro prevista situar-se-á entre os 5,5 e os 6%. Taxa que é considerada por muitos economistas demasiado alta. Tão alta que se questiona se o país conseguirá cumprir com as suas obrigações. Aparentemente a notícia da aprovação foi boa mas o diabo da taxa de juro deixa-nos com o credo na boca.


A boa notícia é que o Finantial Times que elege anualmente os 65 melhores programas de formação de executivos, tem em Portugal, para além da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade Católica (que continua a ser uma das 50 melhores escolas do mundo para gestores), as escolas de Gestão da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade do Porto que acabaram de entrar para o grupo restrito das melhores em todo o mundo. Resta esperar que o país saiba aproveitar essas competências e lhes dêem as condições necessárias para ficarem por cá.

terça-feira, maio 10, 2011

Demitam os partidos


Acabei de ver o programa “Prós e Contras” da RTP1 e fiquei completamente desanimado em constatar, uma vez mais, que não existe qualquer possibilidade de entendimento entre os responsáveis dos partidos do arco do governação (como agora se diz) que permita a que este desgraçado país venha a ter um governo forte que possa executar o programa elaborada pela troika internacional. E seria bom que os políticos pensassem a sério na trapalhada em que andam metidos, porque se não cumprirem o programa eles não nos vão emprestar o dinheiro para solucionar os nossos problemas imediatos e de médio prazo. Não vão mesmo.


São as trocas de acusações, é a agressividade desmedida, são os reiterados juramentos que com aquele ou aqueles políticos e/ou partidos não há possibilidade de entendimento. Já não há pachorra. É uma vergonha que deveríamos sentir enquanto cidadãos e uma imagem que damos à Europa que reforça a ideia que já têm de nós que nos devem olhar com desconfiança.


Razão tinha um dos participantes quando afirmou que a única forma de resolver esta situação era demitir os partidos. Estou quase a concordar com ele.

segunda-feira, maio 09, 2011

As vítimas de sempre


Neste início de semana tinha pensado escrever sobre a relutância colocada pelo Reino Unido em ajudar Portugal. Aquele mesmo país que é nosso parceiro na aliança diplomática mais antiga do mundo (1373) e que continua ainda em vigor, vá lá saber-se porquê. Ou escrever sobre a Finlândia que já mostrou idêntica resistência. Justamente esse país a quem nós, povo atrasado e periférico, não negámos solidariedade quando em 1940 fizemos uma das maiores campanhas voluntárias de sempre para oferecer aos também (nessa altura) pobres e periféricos finlandeses toneladas de roupas e cereais. Mas não, não é sobre esses países e sobre as suas opções solidárias que eu me vou debruçar hoje.


Hoje gostaria de me referir, ainda que brevemente, à comunicação ao país do Presidente da República. Mais uma comunicação anunciada com solenidade e que a maioria dos portugueses julgava ser sobre o acordo estabelecido entre o Governo e a troika de instituições internacionais. E foi, mas, uma vez mais, Cavaco Silva nada disse de novo. Pelo menos, nada que não soubéssemos já.


Houve, porém, um ponto do seu discurso que valeria a pena salientar. Foi quando disse:


“… Não podemos continuar a viver acima das nossas possibilidades, a gastar mais do que aquilo que produzimos e a endividar-nos permanentemente perante o estrangeiro.
Tem de haver um aumento significativo da poupança interna. Muitos portugueses terão de alterar os seus padrões de consumo, evitando gastos supérfluos …”.


Cavaco falou em “muitos portugueses” mas não se sabe, em concreto, a que franja da população ele se estava a referir. Acredito que não se estivesse a dirigir à maioria dos portugueses que ganha menos de mil euros e que não aufere o suficiente para poupar. Portugueses que nem necessitam de pensar em evitar os tais gastos supérfluos uma vez que o dinheiro apenas chega para o essencial.


O que todos temos como certo, isso sim, é que existe pela frente um caminho árduo a percorrer, onde vamos ter que assumir um “espírito patriótico e de unidade”, de acordo com as palavras do Presidente. Isto é, um caminho cheio de sacrifícios onde, não custa adivinhar, as vítimas vão continuar a ser as de sempre.


sexta-feira, maio 06, 2011

As poucas palavras


De Eugénio de Andrade “As poucas palavras”



Foi um dia, e outro dia, e outro ainda.
Só isso: o céu azul, a sombra lisa,
o livro aberto.
E algumas palavras. Poucas,
ditas como por acaso.

Eram contudo palavras de amor.
Não propriamente ditas,
antes adivinhadas. Ou só pressentidas.
Como folhas verdes de passagem.
Um verde, digamos, brilhante,
de laranjeiras.

Foi como se de repente chovesse:
as folhas, quero dizer, as palavras
brilharam. Não que fossem ditas,
mas eram de amor, embora só adivinhadas.
Por isso brilhavam. Como folhas
molhadas.


quinta-feira, maio 05, 2011

“Um almoço de trabalho”


No último post dei-vos conta de dois exemplos (verdadeiros) de má gestão dos dinheiros públicos, coisa que, infelizmente, continua a acontecer um pouco por todo o país.


Hoje quero relatar um caso que presenciei. Eu estava lá e ouvi tudo aquilo que se passou.


Almocei num restaurante simpático, algures na Serra da Lousã. As instalações eram agradáveis, acolhedoras e podia-se desfrutar através das janelas largas uma bonita vista para a floresta. Por que era um dia de semana estava pouca gente, apenas um casal numa mesa e numa outra sentavam-me quatro homens. Fiquei na mesa ao lado deles.


Nem a vista da paisagem nem o prazer da gastronomia que nos foi apresentada me impediu de ir ouvindo o que se passava nessa mesa. Durante todo o repasto, os quatro senhores falaram sobre futebol, sobre as peripécias e intrigas em que os dirigentes de certos clubes andavam metidos, sem esquecer, naturalmente, os aspectos mais sórdidos. Falaram muito e falaram alto, riram bastante e o tema foi sempre o futebol. No final, já depois dos uísques (que repetiram), um deles pediu a conta, dizendo ao empregado que queria uma factura em nome do IFP (Instituto de Formação Profissional) com a indicação de 3 almoços de trabalho. De trabalho? Fiquei espantado, mas pior fiquei quando ouvi um dos presentes perguntar ao primeiro: “Vais meter isto (o custo com os almoços) em ajudas de custo ou em despesas de representação?”. “Não, nada disso”, respondeu o que ia pagar a conta. “Não te preocupes, hei-de encontrar uma rubrica …”


Deste “almoço de trabalho”, em que não houve qualquer trabalho, constatei como, à revelia dos propósitos anunciados oficialmente, o “sistema” – o malfadado “sistema” - continua a funcionar sem que alguém lhe ponha cobro. É um fartar vilanagem. E vai durar enquanto o plano oficial de contas e a falta de vergonha de muitos conseguirem encontrar uma rubricazinha pronta para albergar os desmandos.

PS: tenho a certeza de que a azia que senti toda a tarde nada teve a ver com a magnífica gastronomia da região.


quarta-feira, maio 04, 2011

Laxismo ou corrupção?


Quando, amiúde, se fala no despesismo do Estado e no descontrolo das obras públicas, nomeadamente as da responsabilidade das autarquias, não sabemos muito bem a que é que nos estamos a referir em concreto.
Pois em concreto, aqui estão dois exemplos – apenas dois – de despesas detectadas pelo Tribunal de Contas e que, no mínimo, suscitam muitas dúvidas. Vejamos:


- Município de Beja - Fornecimento de 1 fotocopiadora, "Multifuncional do tipo IRC3080I", para a Divisão de Obras Municipais: 6.572.983,00 €;
- Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P. – Aquisição de 1 armário persiana; 2 mesas de computador; 3 cadeiras c/rodízios, braços e costas altas: 97.560,00€.

Pode ser que haja explicações plausíveis para tamanhos gastos. E espero bem que haja por que, relativamente ao primeiro caso, uma fotocopiadora daquele tipo custa à volta sete mil e setecentos euros. Qual a justificação para se terem gasto mais de seis milhões e meio de euros?
Quanto ao material de escritório adquirido pela Administração Regional de Saúde do Alentejo, ninguém acredita que o valor de mercado daquele tipo de equipamento possa custar quase cem mil euros.


Laxismo ou corrupção? Uma pergunta para a qual certamente não obteremos resposta mas que intuímos que as duas proposições possam coexistir. E se assim for, estamos em presença de crimes cujos responsáveis têm que ser (deveriam ser) devidamente castigados. Nós, cidadãos, temos o direito de exigir a responsabilização efectiva de quem gere dolosamente a coisa pública.


terça-feira, maio 03, 2011

Miséria, disse ele …

Diogo Leite de Campos, dirigente do PSD, é um ilustre licenciado e doutorado em Direito e em Economia. É também Professor Catedrático e sócio de uma conhecida sociedade de advogados. É, pois, um homem inteligente e bem sucedido.


Há uns tempos vi um vídeo em que ele explicava um conceito interessante sobre o que não é um rico e o que é a miséria em Portugal. Desta forma:


“O ministro das finanças, salvo erro, disse que ricos são aqueles que têm mais de 10 000 euros por mês. Mas se nós levarmos em conta que sobre estes dez mil euros incidem cerca de 42%, isto significa que estas pessoas ficam reduzidas a 5 800 euros. Será que se pode dizer que 5 800 euros por mês, para casa, roupa lavada, comida, instrução dos filhos, doença e tudo é muito? Cinco mil e oitocentos euros por mês, em qualquer país europeu é classe média baixa. Será que são estes os ricos portugueses. 5 800 euros não chega sequer para o consumo. É evidente que as pessoas que ganham 1 000 euros por mês acham isto enorme mas mil euros por mês não é classe média, é miséria”.

Embora o senhor possa estar coberto de razão, penso que é chocante para a maioria dos portugueses ouvirem dizer que os 5 800 euros líquidos não chegam sequer para o consumo, quando se sabe que o salário médio em Portugal não chega aos 800 euros, o salário mínimo não atinge os 500 e ainda há muitas reformas abaixo dos 300 euros.

Portanto, e para resumir, quem ganha 10 000 não é considerado rico. E os milhares de trabalhadores que auferem menos de 1 000 euros por mês e, com essa miséria de vencimento, têm que pagar casa, transportes, alimentação, vestuário, custos vários e, ainda, na maior parte dos casos, têm que providenciar a educação dos filhos ou a segurança dos pais, são o quê?

Como referi, o Dr. Diogo Leite de Campos até pode ter razão naquilo que diz mas esquece uma coisa fundamental. É que Portugal é dos países que pior paga a quem trabalha e onde existe uma enorme diferença salarial entre os que mais ganham e os que menos recebem. Esquecimento, afinal, que até pode ser desculpável se atendermos a que ele acumula uma reforma de 3 240,93 € com outra do Banco de Portugal de 5 000 € e os lucros de uma sociedade de advogados.


segunda-feira, maio 02, 2011

Em defesa da gramática

Admiro há muito a obra do escritor peruano Mário Vargas LLosa e sigo naturalmente com interesse a sua actividade política. Os livros do Prémio Nobel da Literatura de 2010, reflectem bem a sua luta pela liberdade individual perante a realidade opressiva que teima em existir no seu país.

Mas Vargas Llosa para além dos aspectos políticos e sociais transmitidos nos seus livros tem a preocupação de escrever bem, respeitando as regras que uma boa literatura exige.

Daí que face aos atropelos constantes e despudorados com que hoje se encara a arte de escrever, Mário Vargas Llosa veio a terreiro dizer o seguinte:

“os jovens que abreviam palavras nas redes sociais e nos SMS pensam como macacos, …. a net liquidou a gramática, gerando uma espécie de barbárie sintáctica”. E justifica “se escreves assim, é porque falas assim, se falas assim é porque pensas assim e, se pensas assim, pensas como um macaco. Isso parece-me preocupante. Talvez as pessoas sejam mais felizes assim. Talvez os macacos sejam mais felizes do que os seres humanos. Não sei.”

Em defesa da gramática, acho que Llosa tem razão. Felizmente para ele, não tem o problema de um acordo ortográfico a pairar sobre a sua cabeça e, por isso, mais não disse. Sim, porque se o tivesse, tenho a certeza de que iria bastante mais longe nas suas críticas.