As declarações proferidas por Isabel Jonet num debate televisivo geraram uma enorme polémica. Nessa altura, achei por bem não tecer qualquer comentário. Para mim aquilo era um "não-assunto" e, portanto, não quis lançar mais achas numa fogueira de revolta e de impropérios sobre palavras que, mais tarde e com a devida ponderação, seriam analisadas de uma outra forma. Isabel Jonet não necessitava que eu a defendesse nem os assanhados críticos da Presidente do Banco Alimentar precisavam de mais um elemento nas suas hostes.
Porém, agora que passaram uns dias sobre a "tempestade", venho a terreiro para transcrever uma excelente crónica sobre este caso, assinada pelo jornalista Rodrigo Guedes de Carvalho, publicada ontem na TVMais. E devo dizer-vos que a subscrevo por completo.
Quero, no entanto, sublinhar uma coisa: é que quando se trabalha em prol de quem mais necessita, não faz qualquer sentido evocar ideologias. Posicionar-se à "esquerda" ou à "direita" (como se alguma das partes fosse a "dona" das acções sociais) é altamente redutor. E a obra de solidariedade levada a cabo pelo Banco Alimentar Contra a Fome, que tem mais de 20 anos de actividade, fala por si. Por fim, é justo enaltecer o papel determinante de Isabel Jonet como timoneira desta Instituição que apoia - diariamente - muitos milhares de cidadãos.
Dizia, então, o Rodrigo Guedes de Carvalho:
"Conheço mal Isabel Jonet. Cruzámo-nos e cumprimentámo-nos por duas ou três vezes. Não sou seu amigo, muito menos seu advogado. Mas estou siderado com “um movimento” que se diverte a arrastar o seu nome pela lama. Ouvi falar do caso já a polémica se arrastava, ou seja, já com muitos comentários jocosos ou simplesmente insultuosos a propósito do que teria dito “sobre os pobrezinhos”. Manda a mais básica cautela e a mais séria costela jornalística que não se fale do que não se conhece. Importava, pois, lidos os comentários à “afronta”, de ver e ouvir o que realmente tinha dito Jonet. Procurei a gravação do momento, transmitido pela SIC Notícias, e desde logo duas coisas ficaram absolutamente claras: Isabel Jonet não disse o que dizem que ela disse, e a maior parte dos comentários é, nitidamente, de pessoas que não ouviram o que ela disse e se limitam a reagir a comentários de amigalhaços. Vejamos. O que Isabel Jonet diz é, numa generalização simples, aquilo que milhares de pessoas atentas e com bom senso dirão ou pensarão. Que esta crise que veio para ficar vai, muito certamente, obrigar-nos, a todos, a encontrar um novo paradigma de vida no que diz respeito ao consumo, que vamos ter, todos, que nos habituar a viver com menos, a poupar mais, a pensar mais antes de fazermos despesas. Este “todos” faz toda a diferença. Porque em nenhum momento do que ouvi Jonet dizer ela se refere, única e especificamente, aos “pobrezinhos”. A sua presença numa televisão serviu, pois, a interminável e deslocada luta de classes e ideologias que nos tem reféns desde o 25 de abril. Ou seja, para quem é de esquerda, Jonet é mais uma representante da direita, dos braços longos e nunca adormecidos do fascismo. E porquê, pergunta-se? Parece-me óbvio que Jonet é vítima do seu nome de família. Vivemos, ainda, num país de visão curta, a que décadas de lutas políticas reforçaram as palas nos olhos. Um país onde a esquerda, sempre tão compreensiva e aberta ao mundo, pretende continuar a acantonar certas pessoas e apelidos, no mais básico racismo social, nascido e criado na raiva. Ou seja, pela “lógica” de certa ideologia, nada de bom pode vir de um Jonet, de um Champalimaud, de um Mello, de um Espírito Santo, de um Van Zeller, de qualquer apelido que traga consigo memórias, verdadeiras ou inventadas, de um antigo regime. A esquerda adora louvar quem entrega vida ao trabalho social, à ajuda aos outros. Mas se é uma Isabel Jonet a fazê-lo, é corrida como alguém que faz “caridadezinha”. Repito: não sei o que realmente pensa Isabel Jonet, mas sei o que ouvi. E o que ouvi não justifica esta perseguição assanhada que coloca uma mulher nas bocas do mundo, e que terá, infelizmente, recebido no seu dia-a-dia muitos olhares maliciosos e desprezíveis de gente que “ouviu dizer que ela disse não sei o quê”. Lamento ir contra a corrente, mas não, Isabel Jonet não teve uma frase de Maria Antonieta, rainha demente e cruel, que no auge dos protestos que precederam a Revolução Francesa, quando o povo pedia pão, sugeriu que “se não tinham pão que comessem brioche”. Jonet limitou-se a verbalizar aquilo que, repito, muitos portugueses já andam a conversar dentro das próprias famílias, a dura realidade de termos, eventualmente, de nos disciplinar nas despesas e nas rotinas de consumo. Até porque ela, como já o referiu tantas vezes (e isso ninguém parece ouvir) vai conhecendo cada vez mais casos angustiantes de famílias que pareciam bem na vida e de repente lhe batem à porta do Banco Alimentar. Num tempo de angústia terrível para todos, estava visto que não tardariam as tentativas de encontrar bodes expiatórios para a revolta".
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