Como não sou advogado e como não estou muito familiarizado com algumas das leis vigentes do nosso ordenamento jurídico, não posso nem devo, por mera atitude de bom-senso, assumir posições definitivas sobre matérias que não conheço bem.
Como cidadão comum, no entanto, tenho todo o direito de pensar sobre as respostas e explicações que nos são dadas sobre essas mesmas matérias, muitas delas as mais esfarrapadas e mal-amanhadas que é possível imaginar, as quais, obviamente, não aceito facilmente.
Ora vejamos, Fátima Felgueiras, Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras, está a ser julgada no tribunal local pela prática de 23 crimes, no processo que ficou conhecido como “saco-azul de Felgueiras”.
Para além deste processo, Fátima Felgueiras irá responder, ainda, por sete crimes de participação económica em negócio e um de abuso de poder na forma continuada.
Fátima Felgueiras é, também, suspeita de ter feito cinco “contratos fictícios” com uma empresa, a Resin, num alegado esquema utilizado para financiar o PS durante actividades concelhias de Felgueiras.
Fátima tem ainda a decorrer outro processo por alegado favorecimento do actualmente extinto Futebol Clube de Felgueiras.
Todos estes crimes foram cometidos quando a Fátima Felgueiras era Presidente da Câmara e que, depois de serem descobertos, levou a que a senhora presidente, escapando a uma ordem de prisão já emitida, fugisse para o Brasil, protagonizando uma novela que deu muito que falar na época, e em que o marketing, a habilidade dos seus advogados e algumas circunstâncias muito mal explicadas e que os portugueses não chegaram a perceber, fizeram com que ela pudesse voltar - de resto mais remoçada e com muito melhor aspecto do seu exílio dourado - e que permitiram escapar de novo à prisão que a esperava e se pudesse voltar a candidatar à presidência da Câmara.
Mas, atenção, os processos que corriam contra ela continuavam em vigor e, por isso, ela está a ser julgada.
Contudo, e pese embora eu continue a não perceber como estas coisas são possíveis, mantenho-me calado e aguardo.
Onde a minha estupefacção se manifesta de forma mais intensa e a deixar-me absolutamente abazurdido e indignado, é quando penso que a senhora presidente responde em tribunal pelos crimes acima descritos e, pasmem-se os meus amigos, quem custeia as despesas jurídicas da sua defesa é precisamente a autarquia que ela presumivelmente lesou.
Ao que vem anunciado nos jornais, a autarca e a sua equipa de advogados já receberam 200 mil euros dos cofres da Câmara.
Repito, por não ser advogado, não posso aquilatar da legalidade com que estes pagamentos são feitos, que, segundo consta, são acobertados pela própria Lei que estabelece que o pagamento dos advogados aos autarcas está regulado pela lei 29/87, de 30 de Junho. O artigo 21 diz mesmo que só pode haver lugar a pagamento quando não há dolo. Sublinho, quando não há dolo, que é como quem diz, quando não há crime. Crime, aliás, crimes, que estão justamente a ser julgados, tendo como principal suspeita a autarca-presidente e mais uns quantos acólitos.
Mas mesmo do ponto de vista legal, a questão está longe de ser pacífica, e a fronteira entre o legal e o ilegal é muito ténue. Ainda por cima, os princípios e os procedimentos não são nada uniformes, porquanto se custeiam as despesas a alguns dos presumíveis implicados e a outros não.
Para além de que, os pagamentos, legal ou ilegalmente efectuados, também eles são pouco transparentes e apresentam contornos susceptíveis de levantar algumas suspeitas. Alguns dos pagamentos são feitos aos próprios arguidos mas outros são efectuados aos seus advogados, às esposas desses advogados e até a advogadas que nada têm a ver com o caso mas que trabalham no mesmo escritório dos causídicos dos arguidos. Portanto, sem critérios aparentemente aceitáveis ou pelo menos que se percebam.
Tudo isto é muito estranho!
Há, portanto, uma presidente que é acusada de uma série de crimes, que é mandada prender, que foge à justiça, que volta sem que nada aconteça, que concorre e que ganha de novo a Câmara e que tem um vastíssimo património avaliado em vários milhões de euros.
Só para que se tenha uma ideia, Fátima Felgueiras é proprietária de um apartamento e garagens em Felgueiras, vários escritórios também em Felgueiras, bem como uma casa junto ao Cineteatro Fonseca e ainda um terreno com viabilidade construtiva, uma casa de praia em Labruge, Vila do Conde, um apartamento no Edifício Marcofel, em Felgueiras, para além de um loteamento de terreno sito em Pombeiro, Felgueiras, avaliado em mais de três milhões de euros. É, ainda, propietária de três prédios rústicos e dois urbanos, em Felgueiras e Lousada.
Perante tudo isto, como é que nós, comuns cidadãos, leigos das leis, mas com cabeças que pensam, podemos perceber e aceitar que a autarquia ainda tenha o despudor de custear as despesas jurídicas da sua defesa com o dinheiro dos munícipes?
Não dá para aceitar. E, por isso, a palavra que mais define o meu assombro é exactamente Estupefacção!
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