Porque se sabe que “a língua portuguesa é muito traiçoeira”, existem assuntos sobre os quais não é fácil escrever porque as palavras - porque são traiçoeiras - podem sugerir outras intenções que os autores não pretendem transmitir.
Hesitei, pois, em escrever este texto, tanto mais que nem podia chamar a atenção dos leitores com o círculo vermelho que normalmente se coloca no canto superior direito dos ecrãs de televisão, quando os filmes contêm palavras ou cenas que possam ferir a susceptibilidade dos espectadores.
Afastada, então, a hipótese de prevenir os leitores, restou-me avaliar se aquilo que eu queria contar-vos poderia, ou não, ser menos próprio. Decidi, no entanto, que ia mesmo escrever porque, ao fim e ao cabo, trata-se apenas, e só, de uma questão de cultura e nada mais.
No último fim-de-semana metemo-nos à estrada, melhor dizendo às estradas que passam por dentro das terras, aquelas que normalmente mal conhecemos ou só conhecemos de nome porque as auto-estradas lhes passam ao largo. Sem destino definido, como outrora gostávamos de fazer, o único objectivo era o de andar, andar sempre e metermo-nos por caminhos que nos mostrassem algo de novo.
Quando demos por nós, que é como quem diz, quando os estômagos começaram a dar sinal, estávamos em Almeirim, terra do bom melão e da famosa sopa da pedra, pelo que fomos ao encontro da dita e de outros petiscos da região.
Depois do almoço andámos um bocado a pé, à descoberta da terra. De repente, ao olhar para uma loja vimos que o seu nome era “A Casa das Caralhotas”. Assim mesmo, sem tirar nem pôr e com todas as letras. A Casa da quê?, perguntámo-nos, rindo que nem perdidos.
Pois a nossa curiosidade levou-nos a saber porque é que aquela era a “A Casa das Caralhotas”, e o que eram (o que são) as caralhotas.
Para quem não sabe, a caralhota de Almeirim, é um pão caseiro, idêntico à merendeira, muito guloso e saboroso e é sempre óptimo, quer comido com um pouco de manteiga ou quando acompanha a sopa de pedra ou uma bifana.
O nome desta iguaria, (feito(a) com farinha inteira, fermento, água e sal, amassado à mão e cozido em fornos de lenha) vem de tempos passados, “culpa” da tradição popular. Antigamente, em Almerim, os populares chamavam caralhotas aos borbotos da lã. Nessa altura, em quase todas as casas existia um forno e cozia-se o pão. Quando se tirava a massa, para depois ir para o forno, no fundo do alguidar ficavam bocadinhos de massa, idênticos a borbotos de lã. A essas pequenas bolas, os populares chamavam caralhotas. Daí vem o nome actual do pão que se pode saborear nos restaurantes de Almeirim. Eu asseguro-vos que é uma delícia, pelo que sugiro que os provem mesmo. De certeza que não vão arrepender-se.
Quanto a nós, forasteiros, retivemos o sabor de um pão delicioso mas também, e naturalmente, o nome engraçado e pitoresco, que chega a ser malicioso, sobretudo quando ouvimos mães de família fazerem - com toda a naturalidade - o pedido "guarde-me meia-dúzia de caralhotas para a tarde”...
8 comentários:
Não percebo porquê tanto pudor? Afinal, é sempre bom aprender algo sobre a nossas gentes. Muito obrigado pela sua história. Tenho a certeza de que não a esquecerei.
Ocorreu-me agora: será que outras palavras que são conotadas de malícia também se referem a alguma iguaria deste nosso tradicional PaíS? Se descobrir mais alguma, não se acanhe e partilhe-a connosco. Eu cá por mim, farei o mesmo.Prometo.
Ocorreu-me agora: será que outras palavras que são conotadas de malícia também se referem a alguma iguaria deste nosso tradicional PaíS? Se descobrir mais alguma, não se acanhe e partilhe-a connosco. Eu cá por mim, farei o mesmo.Prometo.
Uuupppsss....Eu juro que não estou gaga. Peço desculpa pelo duplicado do comentário.
Bolas, oh demascarenhas, ia apanhando um susto, mais um pouco e ...
Já que estamos nesse terreno, que me dizes desta iguaria?
http://www.receitasemenus.net/content/view/1819/327/
Seus cuscas! De certeza que já todos foram ver o endereço indicado pelo “porcos no espaço”. E o que é que encontraram? Nem mais nem menos que a receita de um prato gastronómico genuinamente português, conhecido como “Punheta de Bacalhau”.
Mas, meus caros, sugiro-vos que satisfaçam os vossos apetites comendo não só uma bela e tenra bifana em caralhota (em pão de Almeirim) mas, se assim o entenderem, que se entreguem aos prazeres que uma ementa completa, que poderá ser:
Comecem por uma entrada que poderá constar da tal “Punheta de Bacalhau”, um aperitivo que, ao que dizem, é afrodisíaco. Trata-se de um bacalhauzinho desfiado, temperado com cebola, azeite e vinagre, simples e que dá muito prazer.
Peçam depois um “Arroz de Pica no Chão”, uma especialidade da região de Entre Douro e Minho, feito à base de frango e toucinho.
Para acompanhar, sugiro um tinto encorpado “Terras do Demo”, da região das Beiras.
Como sobremesa, um delicioso doce conventual, as “Mamadinhas da Pousadinha”, de Tentúgal.
Ao café, e para o acomanhar, não se esqueça de pedir um digestivo, o Licor da Merda, uma bebida da região de Cantanhede, feita à base de leite, baunilha, cacau, canela e frutas cítricas.
Todos estes produtos são portugueses e podem acreditar são muito apreciados. Resta-me desejar Bom Apetite a todos!
Eu sugiro que incluam na ementa uma poncha da Madeira, que tem um nome inocente, mas é mexida com um caralhete (aquele pau de madeira com uma espécie de estrela na ponta).
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