Estava a ler dentro do carro. Distraidamente, enquanto “saboreava” as últimas palavras que acabara de ler, olhei por cima das páginas do livro e reparei num homem que caminhava lentamente não muito longe dali. Teria mais de setenta anos mas ostentava, ainda, uma pose distinta. Alto e direito de postura, espraiava o olhar ao redor como que a chamar silenciosamente o bando de pombos que já o cercava.
Baixei o livro e interessei-me pela figura. Tinha bom aspecto. Vestia uma gabardina que o agasalhava da tarde fria e usava casaco, camisa e gravata. Via-se-lhe o aprumo e a dignidade.
A princípio não entendi porque é que uma das mãos tanto remexia o interior de um saco de plástico de supermercado. Percebi depois que esfarelava pão que ia espalhando com gestos largos na direcção dos pombos.
O jeito de andar dos pombos e o seu ar patusco, distraíram-me por momentos do homem. Quando voltei a olhar para ele, notei que dobrava cuidadosamente o saco como que a guardá-lo para outra utilização.
Enquanto se afastava do local do festim, tão lentamente como chegara, ia olhando para trás na direcção dos pombos, como que a certificar-se de que eles se comportavam direitinho e comiam a refeição que lhes fora dada. Ou, quem sabe, a “dizer-lhes” que voltaria no dia seguinte.
Fui acompanhando com a vista os passos do homem até que dobrou a esquina. Mesmo depois de desaparecer do meu horizonte visual, continuei a “vê-lo”. Quem seria? Que mistérios guardaria?
Prossegui com a minha leitura. Porém, e inexplicavelmente, a figura daquele desconhecido alto, direito de postura e de pose distinta, teimou em sobrepor-se ao amontoado de letras que se alinhavam à minha frente.
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